O funk consciente resiste ao longo dos anos
Podemos dizer que o funk é feito de fases. Teve a época do proibidão, da ostentação, da ousadia, e agora estamos vivendo a fase das vertentes mais recentes como o 150 BPM, o funk-rave e o bregafunk. Mas se tem um estilo de funk que percorreu todas esses anos desde que o funk surgiu até agora, é o consciente. Visão de favela pra favela, o funk consciente carrega a vivência de milhares de pessoas da periferia.
“A pessoa que quer cantar o consciente tem que saber cantar porque nem todo consciente vai transmitir a mensagem com o coração. Eu sou muito crítico com as letras. Se os MCs vêm gravar comigo e a música não tocar meu coração eu vejo se tem como a gente ir mudando algumas coisas”, comenta Djay W, um dos produtores do momento no quesito funk consciente. Ele é responsável por sons como “Roda Gigante“, “Velho Ditado“, “Nunca Foi $orte” e vários outros.
Isso que o Djay W fala sobre as músicas tocarem o coração da galera é muito real. Pode ver que um dos grandes sucessos do consciente de agora é “Perdoa Mãe“, do MC Alê, que já passou das 35 milhões de visualizações no YouTube. Na música, o funkeiro de 15 anos pede desculpas pra mãe por todos os erros que ele cometeu, tipo sair da escola, mas também agradece a Deus pelo jogo ter virado e ele ter conseguido quitar as contas de casa. Essa, inclusive, não é a única do Alê que vem com tudo na visão.
Ele ainda assina “Diga Não às Drogas“, com o MC PLK, uma mensagem muito foda sobre como o vício pode estragar a vida da galera.
Falando do MC PLK, ele é um dos que tá vindo com tudo na caneta. Um dos novos contratados da KondZilla Records, o MC é um dos exemplos de que o funk é um meio de ter uma vida melhor. O cria de Osasco já trampou numa loja de toldo, já ficou privado da liberdade e hoje é uma das revelações do funk. “Escrevo o que eu vivi e vi e histórias que as pessoas possam se identificar. Fico muito feliz que a galera me agradece, diz que se inspira em mim e que quer ter uma melhoria que nem eu”.
Mais um monstro é o MC Menor MR. Em suas músicas mais recentes, “Dominar o Mundo” e, principalmente, “Toma Juízo“, o MC de Osasco, vem no papo sincerão. “Você é um moleque tão daora por que tá fazendo isso? Vai acabar morrendo com essa merda / para logo com esse vício”, canta ele no som em que conta a trajetória de um mano que se envolveu com as drogas e a vida saiu dos trilhos.
Além desses que citamos, existem vários outros MCs falando muitas coisas importantes em seus sons, como é o caso do MC PP da VS na música “40 Metros“. Na música o MC conta um enquadro e usa isso pra descrever um pouco do racismo na sociedade: “Ao ver o neguinho no toque da nave: encosta! nossa evolução deixa eles descontente”. Só nessa frase ele já relata bem o preconceito. Pra muita gente, ainda é estranho ver um negro com posses.
Outra coisa muito presente no funk consciente é essa ideia de não perder as raízes. Nenhum dos MCs esquece de onde saiu e quer celebrar todas as conquistas com aqueles que os apoiaram. Isso fica claro em músicas como “Velho Ditado”, em que o Rodolfinho canta “só vai beber da minha água quem passou sede comigo”, que carrega bem essa mensagem de juntos na pobreza e na riqueza. “Festa na Favela“, do MC Alê, também vem nesse pique. No som, ele canta “Hoje é festa na favela / Realizei o meu sonho/ E desfruto tanto dela / Realizei meu sonho/ E que a felicidade impera/ Entre as favela”.
*MC Alê na gravação do videoclipe “Festa na Favela”
Estamos falando de uma geração mais nova do consciente, mas se você for perguntar pra maioria dos MCs de hoje em quem eles se inspiram, muitos deles vão falar no MC Neguinho do Kaxeta, um verdadeiro dinossauro do funk. “A nova geração também tá presente [no movimento], até porque eles representam o funk hoje e vão tá aí amanhã. Eles são a continuação dessa parada. Me sinto privilegiado de conseguir acompanhar essa molecada e ser referência, pra mim é mais que satisfatório. Na verdade, respeito é a palavra chave. Tem muitos que me têm como ídolo e tal, e não é porque daqui um tempo ele vai ter um carro legal que eu vou virar um qualquer pra ele”, conta Kaxeta ao Portal KondZilla.
Felipe Boladão é outro MC que inspira a nova geração. O MC da Baixada Santista morto em 2010 é dono de sons como “A Viagem“, uma música sobre luto em que ele canta. “Não dou mais valor às coisas fúteis da vida / Acho que estou aprendendo a viver/ O sofrimento educou minha mente / E mesmo assim não consigo entender”. Tem outras dele como “Bonde da Tony Country“, em que Boladão fala que quando terminar de cumprir a pena vai ganhar a vida como MC. Boladão é até hoje celebrado como um grande cantor e uma inspiração também como compositor.
Se você for parar pra pensar, o funk consciente tem um grande elo com as raízes, seja referente a onde você veio ou de quem pavimentou o caminho para que os MCs de hoje pudessem andar.
Por mais que o funk esteja em constante mudança, os MCs que estão passando a visão há anos e os funkeiros que vieram depois continuam mantendo o legado do consciente e inspirando a molecada das quebradas. Viva o funk consciente.