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A trajetória do funk dos últimos 10 anos

17.01.2020 | Por: GG Albuquerque

Uma nova década se inicia e com ela novas possibilidades, um futuro inteiro pela frente. Mas também é hora de recordar tudo aquilo que passou. Por isso, fizemos uma retrospectiva do que rolou no funk nestes últimos dez anos. Selecionamos os hits que marcaram e entraram na história, as músicas que mudaram a cara do movimento e aqueles sons antigos que você curtiu tanto e nem lembra mais.

2010

Avassaladores – Sou Foda

Apesar de existir desde 2008, “Sou Foda” só foi disponibilizada na internet em março de 2010 para um DVD de funk produzido pelo MC Ratão. A música dos Avassaladores então se espalhou por blogs de humor como Ñ Entendo e Não Salvo, pelo Orkut e virou meme numa época em que nem sabíamos o que era isso. Mas para além da piada, “Sou Foda” foi importante na expansão do funk para além do seu nicho e se tornou um hino de vitória, autoestima e confiança para todos. Hoje, a música parece falar sobre o próprio funk, que apesar de todo preconceito e criminalização, continua sendo foda e sinistro.

Gaiola das Popozudas – Agora eu Sou Solteira

Assim como “Sou Foda”, esse clássico da Gaiola das Popozudas também saiu em 2008, mas foi uma das músicas do CD “Gaiola das Popozudas Vol. 1”, que só saiu em 2010. Uma música que encarna o espírito da solteirice e da diversão — daquele jeito!

2011:

MC Boy dos Charmes – Megane

Ainda em 2011, o funk ostentação de São Paulo começava a se organizar e fazer barulho na internet. “As Mina do Kit“, homenagem do MC Nego Blue às mulheres chavosas da quebrada, foi um dos destaques naquele ano. Foi quando KondZilla deu as caras no cenário produzindo o primeiro videoclipe que mudou o cenário paulistano. “Megane” do MC Boy do Charmes nascia junto a estética que mudou o funk de vez. Enquanto no Rio, “Parado Na Esquina“, do MC Roba a Cena, virou hit ao ganhar uma coreografia do Ronaldinho Gaúcho, que na época jogava no Flamengo.

MC Carol – Jorginho Me Empresta a 12 e Minha Avó Tá Maluca

De Niterói, a MC Carol deu continuação à putaria feminina de MCs pioneiras da putaria como Tati Quebra Barraco, Valesca e Deize Tigrona, mas a garota criou um estilo próprio, que misturava marra e senso de humor absurdo com uma dose de consciência feminista. O tom revoltado de “Jorginho Me Empresta a 12” e o surrealismo da história de “Minha Avó Tá Maluca” são os pontos altos de sua carreira, ao lado de “Meu Namorado é Maior Otário” (2014).

2012

MC Guimê – Plaquê de 100

Com “Plaquê de 100”, Guimê se tornou um dos principais nomes do funk de São Paulo e consolidou de vez o funk ostentação no estado e no Brasil. Entre 2011 e 2012, o crescimento médio da renda real no Brasil subiu 5,8% acima da inflação. De repente, roupas, jóias, motos e outros itens de consumo que antes eram apenas sonho, tornaram-se uma possibilidade. O funk ostentação refletia de um modo simbólico e exagerado esse novo cenário econômico e social que se abria aos olhos dos jovens das periferias brasileiras. E a favela encontrou no YouTube uma nova mídia para fazer sua cultura se disseminar, sem depender dos sistemas mais fechados da televisão ou rádio. Dois anos depois, a revista Veja estampava uma foto do Guimê na sua capa, com a manchete: “Só você não me conhece”. Agora, tornou-se impossível não conhecer Guimê e o seu funk.

Nego do Borel – Os Caras do Momento

Com “Os Caras do Momento”, o Nego do Borel introduziu uma dose de bom humor e leveza carioca na sisudez da ostentação paulista: “Quem nasceu pra ser cu nunca vai ser pica”. O Rio incorporou elementos do funk paulista, mas insistiu em apresentar a sua versão particular da vertente, combinando a ostentação com o visual do morro e o passinho carioca.

O ano de 2012 também foi marcado pelo refrão chiclete de “Ela é Top“, do MC Bola, que fez todo mundo tirar foto no espelho pra postar no Facebook. Outro grande som da ostentação saiu naquele período: “Como é Bom Ser Vida Loka“, que retratava a onda dos aparelhos coloridos e dava um outro significado à ideia de “vida loka”, cantada anteriormente pelo Racionais MCs. No Rio de Janeiro, o Menor do Chapa bombou com “Eu Sou Patrão Não Funcionário”. A Ludmilla (ainda sob o nome MC Beyoncé) estourava com “Não Olha Pro Lado”, uma música que ainda hoje é perfeita para dedicar aos desafetos. E a MC Pocahontas mostrou o lado feminino da ostentação com “Mulher do Poder”, que foi sampleada pelo rapper americano Future na faixa de abertura do seu álbum “HNDRXX”.

2013

Daleste – São Paulo

De acordo com dados do levantamento Data Favela, em 2013 a venda de smartphones no Brasil cresceu 122%, sendo que 58% dos aparelhos no país estavam nas mãos das classes C, D e E. Estas mesmas classes possuíam 60% de todos os computadores do país e 46% dos tablets. O efeito desta inclusão digital apareceu na lista dos nomes mais buscados no Google naquele ano: dentre o top dez, três eram funkeiros. O líder das pesquisa era o MC Daleste, que foi assassinado em cima do palco durante show em julho. Daleste se tornou o ícone de uma era do funk paulista e “São Paulo”, que tem clipe com ares de superprodução (com direito a helicóptero) e uma letra em homenagem ao estado, foi um som que definiu sua vida.

Valesca – Beijinho no Ombro

Fora da Gaiola das Popozudas, Valesca iniciou um novo reinado com “Beijinho no Ombro”. Ao mesmo tempo em que a colocou no lado mais pop, a música mostrava o ápice da ostentação. A diva aparecia num castelo, com direito a tigre, coruja e sacerdotes, enquanto apresentava-se como rainha em seu trono.

Felipe Boladão – A Viagem

Entre 2010 e 2013, cinco MCs e um DJ do funk da baixada paulista foram assassinados. Um deles era Felipe Boladão, morto aos 20 anos. “A Viagem” é uma música dedicada à cinco jovens que morreram num acidente de carro em Santos. Mas o triste de fim de Boladão e seus parceiros — Duda do Marapé, MC Primo, MC Careca, Daleste — transformaram o sentido da letra. “A Viagem” virou um canto de luto, consolação e recomeço.

No mesmo ano, o Bonde das Maravilhas não só popularizou o quadradinho como ainda inventou a modalidade do quadradinho de 8 em “Aquecimento das Maravilhas“. O MC Federado gastou apenas 70 reais para fazer o clipe do “Passinho do Volante (Ah Lelek)“, mas a onda pegou todo mundo — até a Beyoncé mandou o passinho em seu show no Rock in Rio 2013. A MC Marcelly explodiu com os duplos sentidos da letra de “Bigode Grosso”, enquanto o MC Magrinho nos deu o clássico da putaria “Senta em Mim Xerecão”. A Anitta deixou o título de MC de lado e embarcou na transformação em cantora pop com “Show das Poderosas“. Em São Paulo, Guimê deixava a ostentação de lado e fazia uma parceria com o então emergente Emicida em “País do Futebol“.

2014

MC Crash – Sarrada no Ar

“Deixa os braços desgovernado. Faz o passinho do romano mais aquela sarrada no ar”. Foi assim que o MC Crash anunciou uma nova fase do funk de São Paulo. Através dos fluxos, a cena se espalhou pela capital e passou a ficar mais leve e solar com os passinhos do romano. Mas a sarrada no ar deixou de ser um simples passo e se tornou um eterno ícone do funk e de toda cultura periférica.

Funk é sinônimo de bom humor. E em 2014 não deixou de ter os seus memes e o principal destaque do ano foi “Eu Vou Gozar”, do MC Nego Bam. A MC Britney fez o clássico da putaria “Casa do Seu Zé”, um hit nos bailes cariocas. E o MC Romântico fez os 90 BPM da rasteirinha explodir com “As Novinha Tão Sensacional”. Outro hit do ano foi “Bololo Haha”, do MC Bin Laden.

2015

MC João – Baile de Favela

O MC João chega na quebrada, abre o som do porta-malas e canta sua música com a galera do baile — incluindo aí um montão de outros MCs. Era o fim da ostentação. Em seu lugar, ficava o senso de diversão comunitária e a felicidade coletiva dos fluxos e da rua.

Livinho – Tudo de Bom e Bem Querer

“O funk antigamente era só base reta, tipo no Proibidão. O funk tem que se tornar música de verdade. Tem que ter melodia”, dizia o produtor DJ Perera em 2015. “A partir do momento que você escuta a melodia da música, você pode até não saber cantar o som, mas você vai cantar a melodia se ela ficar na cabeça”, defendia. Perera fez hits com Pedrinho e Tati Zaqui, mas o seu grande parceiro foi o MC Livinho, que tinha as mesmas propostas do DJ. Juntos, Livinho e Perera transformaram o funk ao privilegiar esses aspectos melódicos, retornando a musicalidade do funk mais rica e elevando o gênero para os padrões do pop. A levada no cavaco de “Tudo de Bom” e o virtuosismo vocal de “Bem Querer” confirmam a excelência da dupla que refinou a putaria.

O mineiro Delano também trouxe a melodia do cavaco no sucesso “Na Ponta Ela Fica”, o primeiro funk de Belo Horizonte a despontar no cenário nacional — antes disso, em 2013 teve o reggaeton “Piriguete“, do MC Papo. O ano de 2015 também foi marcado por “Tá Tranquilo, Tá Favorável”, que fez o MC Bin Laden ficar conhecido em todo Brasil. A Mixmag, respeitada revista de música eletrônica de Londres, até colocou o som entre os melhores da década. E nas favelas, o Menor da VG brilhava com “Fogo na Inveja”, uma música de sucesso inesperado pela sua letra longa sobre o sucesso e a inveja.

2016

Zaac & Jerry – Bumbum Granada

Não teve como escapar do “beat envolvente” do Zaac & Jerry. A voz grave de Zaac e a malemolência suingada de Zaac formaram uma combinação perfeita. “Bumbum Granada” desbancou até estrelas internacionais como Rihanna e Justin Bieber nas plataformas de streaming e correu o mundo.

MC G15 – Você Foi Diferente e Deu Onda

O MC G15 mostrou que putaria boa é aquela que tem amor envolvido. E foi com essa mistura que ele se diferenciou e cresceu no movimento. Primeiro foi “Você Foi Diferente”, ainda com a batida de beatbox carioca. E depois, em dezembro do mesmo ano, ele veio com “Deu Onda”, que foi a música mais ouvida da virada de 2016 para 2017, bateu o recorde de vídeo brasileiro mais acessado em uma semana e chegou a ser a terceira música mais tocada do mundo no YouTube.

Ainda em 2016, o MC Flavinho despontou a tendência do arrocha no funk com o hit carioca “Arrocha da Penha”. E falando em Rio, “Malandramente” colocava o Nego Bam em evidência novamente, desta vez acompanhado do MC Nandinho e do Dennis DJ. Enquanto isso, em São Paulo nascia uma estrela chamada MC Kekel, com “Namorar Pra Quê?“, que apresentou ao Brasil a gíria mandela.
2017:

Fioti – Bum Bum Tam Tam

Existe um antes e depois de “Bum Bum Tam Tam”. Essa foi a música que mostrou até onde o funk poderia chegar. Sampleando por acaso uma flauta de Bach e incluindo-a numa batida construída engenhosamente, Fioti concebeu uma obra-prima da transformação sonora em uma música que quebrou barreiras. “Bum Bum Tam Tam” tornou-se o primeiro — e por enquanto o único — videoclipe do Brasil a bater a marca de 1 bilhão de views e levou o MC Fioti ao Tomorrowland (um dos maiores festivais de música eletrônica do mundo) e a uma turnê badalada na Europa. A faixa ainda ganhou uma versão em inglês com o rapper Future e o colombiano J Balvin, abrindo as portas para uma nova internacionalização do funk.

Kevinho – Olha a Explosão e Rabiola

Você pode nem perceber, mas “Olha a Explosão” ecoa os tambores sagrados afro-brasileiros — especialmente o Congo e o Afoxé. Esse batuque suingado fez a música se tornar um dos maiores hits recentes do funk (próximo de bater o 1 bilhão de views) e alavancou a carreira de Kevinho. O menino Kevin Kawan de Azevedo, o Kevinho, virou um ídolo do funk para todas as idades, das crianças aos adultos. Após o sucesso de “Explosão”, ele continuou a investir numa sonoridade mais ensolarada e se consolidou como popstar nacional. Com um clipe que evoca Justin Bieber, “Rabiola” cravou esse lado pop do Kevinho.

O ano de 2017 foi um dos mais movimentados para o funk. Nas favelas do Rio, o 150 BPM começava a aparecer nas montagens dos DJs. Em São Paulo, muitas tendências e muitas estrelas. O Don Juan mostrou que o funk podia ser triste e melancólico sim com “Amar, Amei”. Zaac e Jerry se separaram: Jerry Smith brilhou com a levada arrochada de “Troféu do Ano”, enquanto Zaac retratava a mania dos jovens pela catuaba em “Vai Embrazando”. Jhowzinho e Kadinho fizeram todo mundo encher os pulmões para cantar “Agora Vai Sentar”. O MC Lan mostrava o minimalismo sonoro do funk de rua com “Rabetão”. E Anitta fechou o ano com a polêmica “Vai Malandra”.

2018

MC Kekel e MC Rita – Amor de Verdade

Kekel, o menino da meiota, mudou o estilo e deixou sua voz decolar nesta música em parceria com a carioca MC Rita. Terceira música mais ouvida no canal da KondZilla, “Amor de Verdade” mostrou que o funk também pode ser uma balada romântica sem deixar de ser funk.

Kevin O Chris – Vamos Pra Gaiola e Ela é do Tipo

Se em 2017 foi o ano do 150 BPM colocar as bases nos bailes de favela, em 2018 o movimento se expandiu, reinventou o funk carioca e colocou o Rio de Janeiro no centro da produção dos hits nacionais novamente. Kevin o Chris engatou uma sequência de pérolas, mas “Vamos Pra Gaiola” se destaca pela homenagem a esse celeiro do funk. Já “Ela é do Tipo” se sobressai pela delicada beleza combinada à sensualidade e ousadia — que depois levaria o Drake a gravar uma versão, até arriscando versos em português.

MC Loma – Envolvimento

O bregafunk era o som das quebradas do Recife há um bom tempo, mas foi “Envolvimento” em 2018 que pautou a cena em nível nacional. Com apenas 15 anos na época, a MC Loma, ao lado das Gêmeas Lacração, conquistou o país com um clipe amador e uma maquiagem neon improvisada. Depois Loma foi contratada por uma produtora em São Paulo e estrelou um clipe na KondZilla — o primeiro de um artista pernambucano. A música saiu em janeiro e logo se tornou hit do Carnaval em todo Brasil.

Em 2018 ainda teve o funk mineiro alcançando o topo das paradas com “Parado no Bailão”, do MC L da Vinte. O DJ RD e o MC MM misturaram o seriado La Casa de Papel com 150 BPM em “Só Quer Vrau“. Rennan da Penha e Nego do Borel fizeram “Me Solta“, que, apesar de todas as controvérsias, é acima de tudo um manifesto pela liberdade — ainda mais após a prisão do DJ do Baile da Gaiola. E “Quem Me Dera”, de Jerry Smith e Márcia Fellipe, mostrou como diferentes gêneros da música periférica podem se unir com sucesso.

2019

Dadá Boladão, Tati Zaqui e Oik – Surtada Remix Bregafunk

Uma das músicas mais tocadas nas plataformas de streaming em 2019, a versão bregafunk da música do grupo de trap Calibre 2.1. consolidou o movimento no âmbito nacional — só no Spotify, o gênero cresceu 145%. Além disso, “Surtada” é especial por mostrar uma mistura de sonoridades e cenas: o funk paulista de Tati Zaqui, o trap de Oik e o brega de Dadá Boladão podem confluir em uma música pop periférica brasileira.

Lan, Skrillex, Ludmilla, Troy Boy, Ty Dolla $ign – Malokera

Gestada durante meses e mais meses, “Malokera” capta todo o momento do funk e suas articulações internacionais — tanto as referências que ele absorve, como o seu impacto na música pop e eletrônica do exterior. “Malokera” mostra a versatilidade de Lan e Ludmilla, que transitam pelo flow acelerado do rap até a ginga do funk sem perder o apelo deliciosamente pop. A música tocou até no desfile da marca lingerie da Rihanna. “Malokera” é um sintomático ponto final para a década do funk. Agora, é daqui para o mundo.

Além de “Surtada”, 2019 também foi marcado por outros dois hits do bregafunk: “Ninguém Fica Parado (Chapuletei)“, de Shevchenko & Elloco com Maneiro na Voz, e “Hit Contagiante“, do Felipe Original. No Rio, Du Black fez uma homenagem ao finado baile da gaiola em “Gaiola é o Troco”, que viralizou no app de montagens Lomotif. Em São Paulo, a MC Dricka fez barulho com “Empurra Empurra” e se tornou a nova rainha dos fluxos. Publicado no início de janeiro, o lindo videoclipe em plano-sequência de “Nada Vai Mudar“, do MC Rick, nos lembrou que por mais que o funk esteja na TV e nos famoso entre celebridades internacionais o seu DNA é nas ruas das favelas brasileiras.

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