Editorial “Crochê de Quebrada” conta a história e valoriza o produto feito nas quebradas
Pensando em toda história, construção na identidade da cultura funk, a supervalorização do artesanato, a identificação dos desenhos que estampam o artigo e o processo de criação dos artesãos, o editorial “Crochê de Quebrada” propõe registrar e afirmar o boné de crochê como relevante à moda produzida nas quebradas. Cultura essa que de 2019 pra cá está em alta novamente nas periferias de São Paulo, dividindo espaço com grifes e marcas famosas. Cola no Portal da KondZilla pra eu te contar mais sobre o trampo!
O boné de crochê é um dos artigos de moda mais antigos usados pelas periferias de São Paulo, os quais resistem e são ressignificados de geração em geração, trazendo entre cada linha ali usada várias histórias de uma cultura. Ou seja, muito fundamento existe no item desde onde nasceu (inclusive o motivo pelo qual é criminalizado), o fato de ser uma peça que é moda da favela, os MCs de várias gerações usando, e ainda por movimentar fonte de renda de muita gente.
Segundo Wagner Silva, dono do canal ‘’Pontos da Liberdade’’ e professor em grupos que ensinam pessoas a fazerem o artesanato, a história do boné de crochê se expandiu por volta da década de 90 nos presídios, pois quem tinha puxado uns dias praticava boné, tapete e outros como atividade. ‘’ Ele foi expandido na cadeia, por isso falam de ter surgido lá’’, afirma Wagner.
‘’Eu ganhava do meu coroa, quando estava logo preso. Ele fazia para passar o tempo’’, diz Kayblack. Bem como o artesão Wagner, que também já esteve em penitenciária, o pai de Kayblack confeccionava para ter distração. Aliás, antigamente, não era fácil comprar o boné porque para isso era preciso ter contato com alguém na reclusão.
Mesmo sendo popular na cabeça dos adolescentes e jovens de periferia é muito criminalizado. Inclusive, aos olhares preconceituosos são chamados de ‘’boné de cadeia’’. Um dos casos recentes que mostra essa problemática é do Rubens, o qual estava na porta de casa confeccionado sua mercadoria, e num enquadro os responsáveis pela ação destruíram o artigo e trouxeram-lhe prejuízo.
Por outro lado, hoje ainda está muito fácil pois tem um grupo de venda no facebook onde diversos artesãos postam o trampo e até mesmo compartilham gráficos dos desenhos. Bem como perfis no Instagram de uma galera especializada na confecção, vivem disso e são conhecidos no meio por produzirem o produto. Ou ainda, pessoas como Wagner, lutando pela descriminalização dessa cultura.
O público do boné está entre o rap e, sobretudo, o funk de gerações passadas como MC Duda do Marapé e MC Kauan até a nova era entre MC Neguinho BDP, MC Kaverinha e Kayblack. A peça sempre foi usada, mas ao ponto de você sair na rua contando quem está usando e claro, virar um artigo valioso dos quebradas, se deu a partir de 2019 por causa que os meninos do funk voltaram a portar nos bailes e claro, também o aparecimento dos MCs de nova geração portando em fotos e videoclipes.
Curiosamente, ele divide espaço com grifes e marcas, isto é: não é só uma Lacoste ou um tênis da Mizuno que compõem os kits dos moleques chaves. O artesanato de quebrada chegou com pé na porta, virando item de ostentação. Isso faz o produto ser tão interessante.
As fotos foram feitas com câmera analógica, daquelas de estilo antigo, o qual você revela e depois digitaliza, pelas mãos de Marcos Vinícius. O stylist ficou por conta do Neguinho de Favela e a direção criativa por Fernanda Souza, os quais convidaram pro time os artesãos Siqueira e Larissa Ramos para produzirem e pensarem nos bonés usados no trabalho. Além disso, selecionaram para serem modelos meninos pertencentes à cultura, assim podendo retratar com veracidade a cena.
Sobre a questão da escolha do acervo, é válido destacar a importância das cores e desenhos, pois foram selecionadas as principais ilustrações de preferência do público. Além disso, foi dada liberdade para os artesãos criarem os bonés conforme a identidade com do trabalho deles. O exemplo é do Siqueira, o qual tem usado palavras, expressões ou frases curtas que fazem parte de raps e funks.
Contando a história do produto por meio da fotografia, o editorial proporcionou trazer o boné como relevante à moda. Bem como, afirmar a sua importância como criação da periferia e claro, valorização de quem o faz. Ainda, a pesquisa, construção e entrega do trabalho trouxe uma nova lógica de contar na cena sobre o que está pegando nas ruas de forma objetiva e realista, que incluiu o item, o cenário, os modelos, a produção e o registro.