Diversidade

Nas quebradas, amar é para os fortes

28.06.2019 | Por: Giovana Rampini

Eu gosto de dizer que a sexualidade e a identidade de gênero são como uma pintura de aquarela. As cores se misturam, se juntam; ora está azul, ora está verde. Mas é sempre uma pintura. Existem muitas nuances, tons e cores que às vezes a gente não consegue identificar de primeira, mas que existem e estão ali.

No mês do orgulho LGBT, procurei retratar casais de São Paulo que fazem parte dessa paleta de cores. Mas quais as dificuldades que eles encontraram individualmente? As aceitações são as mesmas? As descobertas são as mesmas? A rotina é a mesma? Será que um LGBT no centro de uma cidade grande passa pelas mesmas coisas que o da favela? Isso realmente importa no final?

Sabrina e Geisah se conheceram na faculdade, em outubro de 2018. Elas faziam uma matéria juntas, e um dia resolveram sair para se conhecerem melhor. Desde então não desgrudaram mais.

Sabrina é de Cidade Tiradentes, o processo de descoberta e entendimento de sua sexualidade foi confusa. “No meu ciclo de amigos eu não tinha essa referência, eu fui me descobrindo literalmente sozinha. Na época eu me apaixonei por uma menina que trabalhava comigo e eu senti uma necessidade muito grande de contar pra minha família”, conta Sabrina. “A reação que eles tiveram foi totalmente diferente do que eu imagine. A única coisa que minha mãe falou foi pra tomar cuidado porque o mundo é cruel.”

O Brasil é um dos países que mais mata LGBTs no mundo, segundo dados do GGB. Sabrina conta que por esse motivo, tudo é uma questão de cuidado e proteção. “Acho que tem esse lance de se relacionar com outra mulher também. Você ama, e você cuida, e você quer ver bem.”

Sua namorada Geisah, que nasceu em Itu e hoje mora no Jabaquara, teve seu processo de descoberta um pouco mais tarde. “Eu tinha 21 e já estava na faculdade. Um dia estava no bar e fiquei com vontade de ficar com uma menina”. Segunda ela, foi um processo difícil. “Eu cresci em uma igreja evangélica, bem conservadora. Transar com um homem antes do casamento já era um problema, imagina transar com uma mulher! Então eu demorei muitos e muitos anos para me aceitar de forma tranquila. Quando eu percebi que isso seria uma questão para minha família, eu me mudei pra São Paulo.”

Para Sabrina, o processo de aceitação em um lugar afastado do centro é mais complicada. “A grande questão é não saber pra onde ir se tudo der errado. Eu lembro que quando eu tomei a decisão de contar para minha família, eu fiz uma mochila com algumas trocas de roupas, mas eu não teria para onde ir, para me acolher. Quando entra essa questão de classe, as outras pessoas têm um suporte financeiro e saberiam como sair dessa situação”.

Matheus Rodrigues e Felipe Salvador se conheceram pela força do acaso. “Eu estava em uma peça de teatro e o Matheus também estava em outra peça de teatro. Eu ia pra minha casa e ele pra casa dele, eu descendo a Augusta e ele subindo. Quando a gente se cruzou na faixa de pedestres, a gente se olhou. Mas seguimos. Aí a gente olhou pra trás, e a gente seguiu de novo. E novamente a mesma coisa. Na terceira vez a gente resolveu voltar e se encontrar”, conta Felipe.

Matheus sempre sentiu um carinho por alguns amigos homens quando crianças. “Na infância o sentimento ainda está muito misturado com amizade, mas na adolescência eu fui me percebendo mais. E seria um pouco complicado pela formação cristã que eu tive. Foi uma tensão, eu tentava me apaixonar por mulheres e me sentia culpado quando ficava com um homem. Só na faculdade, com toda aquela diversidade, eu percebi a possibilidade.” Já na família quem surpreendeu foi o pai, que cuidou muito do filho e sempre o protegeu. “Depois de contar pra todo mundo, as coisas ficaram muito mais tranquilas pra mim.”

Para Felipe foi uma questão de autoconhecimento. “Assim como os portugueses não descobriram o Brasil, eu não me descobri gay. Eu já era”. Ele conta que na adolescência, no momento em que se descobre mais sobre corpo e sexualidade, foi quando ele mudou de Salvador para São Paulo. “Além da mudança cultural, foi um momento de adaptação muito difícil para um menino de 14 anos. Durante a escola eu não vivi uma história de amor, aquele amor de adolescência. Eu não tive um namoradinho como outras pessoas tiveram. Porque eu não tinha liberdade e nem um lugar politicamente potente para me entender como um LGBT.”

Além disso, a questão racial é muito discutida pelo casal: “Eu sou um homem negro gay. Então, eu sou preterido socialmente. É extremamente conflitante perceber dentro da nossa relação como o privilégio atua. Por exemplo, hoje estamos construindo um relacionamento aberto. Mas é complicado reparar que a construção do homem branco e do homem negro interfere nisso também, eu vejo quanto o Matheus tem muito mais segurança emocional, ele tem auto-estima em relação a relacionamento que eu não tenho por conta de um lugar que é muito difícil pra uma pessoa negra, que é sempre ter relações afetivas escassas. Esse namoro é meu segundo namoro com 28 anos, e não foi algo fácil de eu obter e de eu construir internamente”, relata Felipe.

Patrícia dos Santos e Ingridy Hellen, que prefere ser chamada de Bel, se conheceram por um aplicativo de relacionamento e logo já marcaram de sair. No mesmo dia as duas já estavam namorando. “A gente começou a namorar como se a gente se conhecesse a uns 10 anos. Intimidade e essas coisas assim, foi bizarro! Desde que a gente se conheceu a gente conviveu todos os dias.”, conta Ingrid. “Passou uma semana disso e eu já perguntei se ela queria morar comigo”, completa Patrícia. Elas moram hoje na Vila Erna, estão a um ano juntas e adotaram uma gata, a Maria.

Ingrid morava no Rio de Janeiro antes de se mudar para São Paulo. Ela foi para a megalópole paulistana para encontrar mais oportunidades de música a empregos mais formais. Ela se entendeu homossexual na adolescência. “Eu vivia em um ambiente bem heteronormativo, bem evangélico, então ninguém falava sobre isso. Eu comecei a sentir atração pelas minhas amigas. Eu tinha uma amiga, que era da igreja, e a gente andava de mão dada, dormia de conchinha! E eu tinha certeza absoluta que eu ia pro inferno! Mas aí eu fui conhecendo as pessoas, muito através da música e esses ambientes me abriu muito a cabeça! Eu comecei a pensar ‘é isso, eu nasci assim, sou lésbica!’”. Já na família o processo foi ainda mais conturbado. “Minha avó me expulsou de casa várias e várias vezes. Mas por eu ser menor de idade, ela sempre me chamava de volta. Eu vivia em casa de amigo.”

O processo com Patrícia foi quase o mesmo. “Meu pai um dia me matriculou em um curso de inglês quando eu tinha 15 anos e eu me apaixonei por uma menina que trabalhava lá”. Ela conta que seu pai é a única pessoa da família que tem contato. “No começo foi difícil pra ele, ele se sentia um pouco culpado eu acho. E por um bom tempo foi difícil pra ele aceitar, eu fiquei na surdina. Quando eu comecei a namorar pela primeira vez, levei a menina em casa e ele não aceitou. Então eu resolvi me mudar, e não sei o que aconteceu, mas nosso relacionamento começou a melhorar, ele sentia falta da filha, eu acho. Mas quando eu comecei a namorar com a Bel, nossa! Ele ama a Bel! Foi a primeira vez que ele foi me visitar!”

Fyamma Sampaio e Emília de Andrade se conheceram no carnaval deste ano. As duas, que moram a duas estações de metro de distância uma da outra, demoraram quase uma semana para ficar pela primeira vez. “A gente se viu várias vezes e ficava só se olhando”, relata Emília. Elas estão juntas oficialmente a três meses e namorando a um mês. “A gente vive grudada”, comenta Fyamma.

Fyamma conta que ainda está no processo de descoberta de sua sexualidade. “Eu me descobri bi quando estava em um relacionamento com um homem. E foi um tempo de crise comigo, porque eu nunca tinha ficado com uma mulher. E na época eu pensava que eu precisava validar isso tudo! Mas depois que eu terminei meu relacionamento eu só fiquei com mulher! Na família foi muito tranquilo, só meu pai que ainda não sabe!”

Já para Emília foi um pouco confuso, desde criança. Só durante a adolescência que ela teve uma certeza. “Hoje é muito difícil eu me enxergar tendo uma relação com um homem hétero”. Perguntada sobre a família, Emília responde que todos sabem sobre as duas.

Independente de onde você é, qual sua origem, qual a sua família, o importante é você acreditar e seguir o que seu coração manda. No final, amar é para os fortes.

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