Um papo sobre filmes com o cineasta de quebrada Valter Rege
Hoje o Portal KondZilla traz uma novidade pra geral, convidamos nomes fortes da periferia pra passar a letra da caminhada para o sucesso. De cara trouxemos um cineasta de quebrada para falar de filmes que podem te ajudar a entender alguns assuntos e dar aquela ampliada no conhecimento. Cineasta autodidata desde os 14 anos, Valter Rege é a definição de força de vontade. Chega aí que vou te apresentar esse cara.
Valter Rege, 35, aprendeu a fazer cinema de forma autodidata aos 14 anos gravando pequenas cenas de filmes de terror com seus primos e amigos na favela da Vila Clara, Zona Sul de São Paulo. O mais louco é que o cara é tão da época raiz da coisa que montava seus longas no vídeo cassete com fitas VHS. Valter trabalhou com pós-produção em algumas produtoras até que resolveu viver dos seus sonhos quando comprou sua primeira câmera em 1999.
Em 2017, Valter decidiu trabalhar só para ele, por conta da falta de oportunidades nas produtoras. No mesmo ano, estreou um curta-metragem chamado “Preto No Branco”, que foi selecionado para os festivais de cinema da Índia, Berlim e o festival de Cinema Negro de Toronto, no Canadá. Valter foi ao Canadá apresentar seu curta, e essa ida dele virou um documentário que se chama “O Cinema Me Trouxe Aqui”, que é um documentário sobre um garoto negro, gay e da periferia que faz uma vaquinha para ir para o Canadá exibir seu filme. Atualmente Valter produz, dirige e monta vídeos para o seu canal no YouTube e neste ano o diretor parte para um novo curta-metragem e um documentário.
O cinema sempre guiou os sonhos de Valter e com o acesso descobriu que as artes e o cinema têm o incrível poder de passar o conhecimento e abrir nossos olhos para problemas sociais, então mergulhou de cabeça nesse aprendizado.
Abaixo, Valter lista 5 filmes que o ajudaram a analisar e a questionar a sociedade em que vivemos. São obras que fazem pensar e tem muito a ver com as realidades das favelas.
Muitas dessas obras Valter usou para estudar e realizar trocas com sua quebrada de forma geral. Passo a bola para o próprio cineasta falar.
#Corra
É um filme norte americano que foi a grande surpresa do cinema em 2017. Para mim, é muito representativo porque expõe o racismo e preconceito que negros e periféricos sofrem de forma muito criativa. “Corra” conta a história de um fotógrafo negro, Chris, interpretado pelo ator Daniel Kaluuya, que namora uma mina branca, Rose (Allison Williams) que vai conhecer a família da noiva em uma pequena cidade, e chegando lá, ele se depara com pessoas estranhas e em sua maioria brancas, e os únicos negros do local são os empregados.
Acho que todo mano da favela que já namorou uma mina de realidade muito diferente da nossa já sentiu um leve incomodo com as diferenças sociais. A diferença é que no caso do Chris, ele descobrirá que realmente o fato de não se adequar naquela sociedade pode transformar a sua estadia em um festival de carnificina. O filme é um terror/suspense muito bem dirigido, e eu tentei assistir duas vezes sozinho e não consegui. Tive que ver de dia. O mais legal é que o longa foi vencedor do OSCAR 2018 como melhor roteiro original, surpreendendo a todos. É uma ótima opção de entretenimento que te faz questionar um pouco sobre racismo, porém com o bom e velho enredo dos filmes de terror e muita pancadaria e sustos.
Disponível no Youtube Filmes a partir de R$34,90, Telecine On Demand, ou NOW da NET, para mais opções faça o download do aplicativo Just Watch.
#Pantera Negra
É o primeiro título solo de um super herói negro da Marvel, e foi indicado para 7 categorias no Oscar 2019. “Pantera Negra” é muito representativo porque mostra o reino da fictícia Wakanda, um local desconhecido na África que contrapõe a imagem de pobreza e miséria que o continente é mostrado para o resto do mundo. O Rei de Wakanda, T’Challa (Chadwick Boseman), tem a difícil missão de manter Wakanda em segurança, pois o local tem uma tecnologia de última geração e ao contrário do resto do mundo, os negros não sofrem com o racismo, pois eles não são minorizados. O maior medo da população de Wakanda é que seu conhecimento e tecnologia sejam roubados e usados contra eles, assim como ocorreu quando a Europa escravizou milhões de negros e roubaram sua dignidade. Acho que a galera da periferia deve assistir porque pela primeira vez na história do cinema de herói o negro não é coadjuvante. É um filme dirigido, escrito e interpretado por negros. O vilão do filme, que na verdade é um dos vilões mais verossímeis que já vi podia ser perfeitamente um moleque de qualquer favela do Brasil, pois sua dignidade é arrancada logo que ele nasce e a violência e falta de oportunidades o cerca. Killmonger, interpretado por Michael B. Jordan, lembra muitos os meus primos e amigos… muitos morreram ou estão presos, porém na infância eram sonhadores, mas a falta de oportunidades foi aos poucos tirando os seus sonhos. Wakanda é o que toda favela poderia ser se a sua cultura não fosse roubada e marginalizada.
Disponível no Youtube Filmes a partir de R$36,90, Telecine On Demand, ou NOW da NET, para mais opções faça o download do aplicativo Just Watch.
#Moonlight
“Moonlight é um filme de 2017 que conta a história de Chiron (Trevant Rhodes e Ashton Sanders), em três fases de sua vida. Como muitos garotos de periferia, Chiron tem uma forte vivência com drogas, pois sua mãe é dependente, não tem pai e para piorar sua situação, ele também se torna um traficante. Porém, algo bastante relevante na história é que Chiron é homossexual, e no decorrer das três fases, o espectador vai descobrindo como o protagonista lida com o fato de ser gay, negro, traficante e periférico. O longa foge completamente dos estereótipos retratados pelos cineastas em relação aos gays que vivem nas periferias. O preconceito contra homossexuais nas favelas ainda é muito forte, por isso, “Moonlight” é muito importante para que garotos das periferias, gays ou héteros, possam refletir sobre os seus próprios preconceitos. Eu sou de periferia e já sofri muito preconceito, assim como também já vi muitos manos se relacionando com outros manos, e minas se relacionando com outras minas.
Assista no Youtube Filmes a partir de R$ 6,90 , ou alugue através do Telecine On Demand, ou NOW da NET, para mais opções faça o download do aplicativo Just Watch.
#13ª Emenda
É um filme documental que está disponível na Netflix, que fala sobre como os EUA lucram milhões de dólares com o encarceramento em massa de jovens negros e como a privatização dos presídios se aliaram a grandes empresas para ter acesso a mão de obra barata. É uma espécie de escravização moderna, pois mesmo os negros sendo a real minoria nos EUA, cerca de 13%, a população negra encarcerada chega a ser mais da metade dentro dos presídios. O documentário tem uma linguagem super jovem, com uma trilha sonora cheia de rap. Os jovens periféricos do Brasil precisam assistir esse filme porque o sistema carcerário daqui também tem uma alta porcentagem de pessoas negras e periféricas enclausuradas, além de a população negra e periférica serem as que mais morrem por arma de fogo. A 13ª Emenda é uma brecha da lei que permite esse sistema de escravidão moderna onde só jovens periféricos, negros e latinos são presos, nada muito diferente do Brasil.
Disponível na Netflix, para mais opções faça o download do aplicativo Just Watch.
#Histórias Cruzadas
“Histórias Cruzadas” é aquele tipo de filme para assistir com as minas que trabalham com limpeza, domésticas, mães negras e periféricas que sofrem a angústia de não realizar sonhos para cuidar dos filhos e mães que perderam seus filhos para violência. É um longa para refletir com a família. A história se passa nos anos 1960 e conta a trajetória de Skeeter (Emma Stone), uma garota da sociedade que começa a entrevistar as mulheres negras da cidade, que deixaram suas vidas para trabalhar na criação dos filhos da elite branca, da qual a própria Skeeter faz parte. Aibileen Clark, interpretada pela ótima Viola Davis, é a primeira a conceder uma entrevista e sucessivamente vai incentivando outras empregadas a contarem suas histórias de preconceito em um livro. Mesmo a história se passando há mais de 50 anos, é impressionante constatar que alguns preconceitos perduram até hoje, como a baixa remuneração das domésticas, os lugares em que são privadas de entrar, como por exemplo o elevador social de muitos condomínios, o pouco tempo que mulheres pretas e periféricas passam com os próprios filhos e o tempo que se dedicam aos filhos de suas patroas. Uma ótima reflexão para as nossas mulheres das quebradas.
Disponível no Youtube Filmes a partir de R$21,90, Netflix, Now Online NET e Telecine Play, para mais opções faça o download do aplicativo Just Watch.
Todos esses filmes além de estarem muito próximos da nossa realidade, tem ensinamentos valiosos sobre lutar por ideais e conhecer a si mesmo e não desistir dos sonhos, agradeço o Portal KondZilla pela oportunidade.
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