“Eu acredito na arte como uma forma de educação”, diz Beká, o poeta funkeiro
*Foto de capa: Renata Santos // Reprodução
A poesia dele é diferenciada. Usa juliet, camiseta de time, berma da Nike, tênis de marca e vem das favelas do Jardim Nélia,Itaim Paulista. É, a poesia dele anda trajada nas palavras, disserta sobre questões sociais e vai mostrar ao mundo que favelado também é gente. Falamos com Luca Lins que mostrou que a quebrada também é lugar de poesia. Dessa vez, falaremos com Humberto Marques, 26, o poeta e MC mostra que funkeiro faz poesia e ganha prêmios por puro mérito. Cola com o Portal KondZilla para entender essa história.
Crença na arte e a falta do sistema na periferia. Foi assim que o poeta e MC Beká, decidiu iniciar suas reflexões em conversa. “Eu acredito na arte como uma forma de educação. Já o sistema enxerga a cultura como desperdício”, abre a conversa o poeta. “Por isso, o país onde vivemos é cercado de pensamentos tradicionais e mesquinhos. A importância da arte dentro da periferia é justamente porque ela consegue conectar cada cidadão da favela, seja através do funk, rap, dança, slam ou poesia falada”.
“Tudo isso é uma potência, as pessoas gostam de artes, mas da nossa arte, porém a nossa arte não é valorizada. O estado sabe que nossa arte é potente, por isso tenta criminalizar ou invisibilizar, quando não se apropria e transforma em uma outra fita do jeitinho que é bom para eles”.
Você é um jovem de periferia? Se sim, já se perguntou o quanto a favela é forte? Se não, já tentou olhar para a quebrada com bons olhos? Beká manda o papo. “As pessoas ligam a periferia só a coisas negativas, mas a quantidade de moleque criativo dentro das favela é surreal, uns moleque disposição, que só falta uma oportunidade.Uma amiga minha fala uma parada que é ‘Se nós sem blindado já faz o que faz, imagina nós com um blindado’. Não levando para o lado da guerra, nada disso. Mas imagina nós acessando as rodas de conversas, os livros, as palestras, tendo conhecimento, as informações chegando, as oportunidades vindo. Ninguém segurava”.
O artista ainda comentou sobre a dificuldade do jovem de quebrada se ver grande. “Os próprios moradores têm dificuldade de enxergar o quanto são bons. Porque vivem na miséria sem perspectiva na maioria das vezes. Tirar a perspectiva de uma pessoa é você matar ela, não dá para viver assim, isso é vegetar. E o papel do artista é mostrar para eles o quanto nós somos potentes, elevar a autoestima do nosso povo”.
Como a poesia entrou na vida de Beká
O escritor lembrou como a poesia entrou em sua vida no ano de 2016 quando foi convidado por sua prima a ir em um evento de slam. “Eu fui na final do slam no Itaú Cultural, nem sabia o que era slam pra ser sincero. Só que os lugares eram limitados e quando chegou próximo da nossa vez de pegar os ingressos acabou. Minha prima ficou chateada, mas para eu, foi só um rolê que não deu certo. Antes de começar o slam os poetas ficaram na frente do teatro e começaram a recitar suas poesias. Eu me apaixonei, quando foi no ano de 2017 comecei a frequentar o Slam Resistência, o Guilhermina. Mas só no final de 2017 foi a primeira vez que eu recitei. Quando foi 2018 coloquei o pé na cena de vez”.
Alma de artista é feito pomba branca, se ficar presa dá azar. Assim como qualquer outro ser humano Beká precisava pagar suas contas. Mesmo com vergonha, para não precisar arrumar um trabalho de carteira assinada, o poeta decidiu desenvolver um trabalho nos trens da CPTM em São Paulo. “Apesar de recitar nos slams e em outros lugares, eu tinha muita vergonha, era bem complicado. Mas chegou um momento que falei ‘vou ter que ir, tenho que pagar meu aluguel e não quero arrumar um trabalho fixo’. Acredito que 99% da população gosta do nosso trabalho é um ou outro que perreca. Mas no geral, é uma parada que as pessoas aplaudem e agradecem. É mais do que dinheiro, as pessoas até nós abraçam as vezes. Eu fico muito feliz de fazer esse trabalho, é gratificante”.
Preto, pobre e periférico. Entretanto, escritor, artista e independent. Que é uma forma mais difícil ainda de se manter na arte. Beká falou de seu primeiro livro “3 X 10” três poesia por dez reais. “Maior brisa né, eu fazendo livros, quem diria. Vendo ele no valor de 10$, é uma parada simples tem 37 páginas somente, mas é uma vitória importantíssima. Estamos vendendo os nossos próprios livros”.
Já ouviram dizer que homem não chora? imagina só homem, preto, pobre e da favela. Ai, que não pode chorar mesmo. Mas tudo isso não passa de Lenda. Homem chora sim e Beká mesmo com dificuldades de falar sobre seus sentimentos lançou na última semana o livreto “Quem Foi que Falou, Que eu Não Sou Um Moleque Atrevido“. O material carrega 4 poesias de amor, sendo uma delas erótica. O trabalho consiste em apenas 25 exemplares e custa apenas R$15 reais, então vamos ajudar esse artista dando um salve nele nas redes sociais. “Esse é um trabalho que resolvi fazer para provar a mim mesmo que eu posso. Sempre tive muita dificuldade para expor os meus sentimentos, falar sobre isso é sempre um desafio para mim”.
Do rap ao funk
Por influência de funkeiros como: MC Daleste, MC Dede, Chiquinho e Amaral, Belet e Oreia, Pikeno e Menor, Menor do Chapa, Beká decidiu deixar o rap e seguir no funk. “Comecei a cantar rap com 10 anos, aos 14 migrei para o funk com dois amigos. Começamos a cantar funk porque apareceu uns funkeiro da zona leste muito próximo de nós. Aquilo fez parecer muito mais possível. Hoje eu canto funk, mas tenho vontade de fazer rap, reggae, quando tiver uma estrutura quero misturar tudo e fazer de tudo um pouco”.
Você já se perguntou onde pretende estar daqui 5 anos? Sobre seus sonhos, objetivos e tudo mais? Beká fez um panorama de sua vida. “Como diz o novo som do Emicida ‘Sonho mais alto que os drones’. Daqui a 5 anos eu quero ter alguns livros publicados, quero estar estourado com o meu funk. Acho que não vai demorar tudo isso não, vai ser até antes. Eu quero viver do palco, de algo que eu sei e gosto de fazer, daqui 5 anos quero gerar oportunidade para o meu povo. Uma só porque os moleque é bom e não precisa de duas não”.
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