Samuel Gomes fala de diversidade em “Guardei no Armário”
Ainda que distante da igualdade, temos vivido novos momentos. Diante disso, muito se fala de artistas grandiosos como: Pabllo Vittar, Mulher Pepita, Gloria Groove, Rico Dalasam, deram voz ao público LGBT na música. Além destes, temos os artistas da quebrada que poucos recursos tem lutado e feito acontecer, uma verdadeira revolução dentro das favelas. Por isso, trouxemos a história do Samuel Gomes, 31 anos, das quebradas da Vila Guarani, zona sul de São Paulo. Gay, preto e favelado ele é designer gráfico, ganhador de prêmios com seu livro “Guardei no Armário” e ainda tem conquistado o mundo através de suas palestras e vídeos com seu canal no Youtube. Cola com o Portal KondZilla para se inspirar em mais essa historia foda.
Nascido em uma família comum, Samuel por muito tempo precisou se guardar dentro do armário com medo de não ser aceito por seus familiares. “A descoberta da minha orientação sexual veio muito cedo. Não houve uma descoberta, apenas sei que sou, mas se eu pudesse recordar a minha memória mais antiga, falaria que com seis anos de idade já percebia que era diferente dos outros meninos”. Mas o mundo não se resume apenas a sua família, ele ainda precisava enfrentar o mundo fora das paredes de sua casa.
Samuel conta que sofreu com a falta de referência para um jovem gay, negro e favelado. “Minha adolescência foi entre os anos 1990 e 2000. Nessa época, existiam poucas referências negras na TV, rádio, revistas e até dentro das igrejas. A referência que me cercava ainda dentro desse período, era a Vera Verão (Jorge Lafond)“.
Motivado a ser mais do que o estereótipo do negro, gay e favelado, mesmo diante as dificuldades, Samuel quis contrariar as estatísticas. Depois de muito aprendizado, ele passou a carregar consigo a sensibilidade da troca de vivência com os seus. “Todas as dores e dificuldades foi para passar do ponto A para o ponto B. Costumo dividir [minhas experiências] com as pessoas a minha volta para que a partir delas, os outros possam trilhar um caminho mais tranquilo sabendo o que os esperam”. O acolhimento da comunidade LGBT trouxe esperança a Samuca. “Costumo dizer que a comunidade LGBT me abraçou antes mesmo de eu me aceitar, muito antes de eu me entender como um homem negro e gay”.
E quem diria que ele chegaria as cadeiras de uma faculdade em uma época que o pobre periférico não conseguia alcançar seus sonhos. “Eu imaginava que o meu futuro seria trabalhar de mecânico, metalúrgica, pedreiro. Por muito tempo acreditei que fosse esse meu futuro”, explicou Samuca que cursou o nível superior, através de uma bolsa de 50% conquistada pelo Prouni no curso de Design Gráfico, na faculdade Uniban. O período da faculdade não foi fácil, mas nada diminuiu a garra de quem chegaria longe. “Os ‘Prounis’ ficavam separados do restante da sala nos grupos de trabalhos, eram visto como menos inteligentes e preterido muitas vezes. Nada disso diminuiu a nossa garra de lutar pelos nossos sonhos e sempre tiramos as melhores notas”.
Mas os estudos é uma coisa, agora o mercado, esse sim era o maior desafio. “O mercado publicitário é racista, classista, branco e hétero. Precisa melhorar bastante, ainda é difícil para os donos de agências entenderem que diversidade não é uma moeda de troca ou é dada as migalhas. Diversidade é o mundo que vivemos e por isso tem que ser a primeira coisa a ser pensada numa reunião de briefing”, desabafa Samuel.
Se descobrindo escritor e influenciador
As vivências de Samuel deram lugar ao projeto “Guardei no Armário” que nasceu com o nome de “Dupla Vida”. “Comecei escrevendo num blog as coisas que passei na minha vida em relação a minha sexualidade, isso já na faculdade. Após uma quantidade limite de sessões de terapia, eu não tinha mais com quem conversar sobre minhas descobertas, anseios, medos e conquistas. Foi aí que o blog nasceu”.
Depois de se firmar com o blog, Samuel se aceitou e mostrou a sua família quem realmente é, sem vergonha. Esse momento levou ao nome do seu futuro livro e também de seu canal atual no YouTube. “Logo após a minha aceitação interna e a minha saída do armário para meus pais e amigos, entendi que o nome do canal deveria mudar. Não vivia mais uma Dupla Vida [como indicava no meu blog], eu já tinha saído do armário e ele já não me cabia mais”. Tudo é aprendizado, então porque não usar todas aquelas vivências para transformar vidas. “Em vez de jogar esse armário fora, me apropriei dele e comecei conceitualmente a usá-lo como depósito de aprendizado que tenho ao longo da vida. Digo que o meu projeto convida as pessoas, principalmente os LGBTs, a revisitar seus armários para que saibam ou relembrem de onde vieram e até onde conseguiram ir”.
Samuel foi ainda mais longe do que ele poderia imaginar, ele divide sua história além dos vídeos no Youtube e do seu livro, chegaria também as grandes empresas para levar por meio de palestras o assunto diversidade e sua história de vida. “É extremamente prazeroso, uma vez que não imaginava que minha voz chegaria tão longe. A partir do momento que o projeto foi crescendo, criando mais forma e maturidade, me apropriei de algo que já estava em mim”.
“Sou um cara gay, periférico e negro, tenho em mim qualidades e vivências para falar com propriedade sobre diversidade, aceitação, sexualidade e mercado de trabalho”. Quem diria que as pessoas ouviriam o neguinho da favela? “É uma revolução ter um homem negro falando para pessoas brancas. É uma revolução que ele seja gay e não tenha vergonha disso”.
Lindo mesmo é ver alguém que viveu uma vida cercada por medos sonhando. Samuca, hoje, vivendo totalmente outra realidade do que na sua adolescência nos contou um pouco dos seus sonhos. “Eu quero viver de palestra e consultoria. Quero ser o Samuca, aquele que ajudou muita gente a sair da depressão por não se aceitar. Aquele que foi o exemplo no mercado que atuou. E longe de ser um cara perfeito”.
Beká, o poeta funkeiro, disse ao Portal KondZilla que “acredita na arte como uma forma de educação“. Mais velho e com uma bagagem maior, Samuel vem para complementar essa fala e tentar resgatar a esperança dentro das quebradas. “O resultado de uma periferia sem arte, sem cultura e sem esperanças, nós já conhecemos e vivemos nos anos 1990 e começo dos anos 2000. Não queremos isso de novo”. Para concluir o papo ele diz o que sente dentro das comunidades. “A molecada quer voltar a ter esperanças de mudar as suas vidas e as das pessoas que as cercam”.
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