5° álbum mais ouvido: Baco Exu do Blues canta solidão do homem preto
No último dia 26 de janeiro, Baco Exu do Blues lançou mais um projeto musical impactante sobre a solidão do homem preto, com sua linguagem poética e melodias envolventes. Dentre as faixas, Exu do Blues lançou parcerias com vozes conhecidas nas brasilidades, como Gal Costa, Gloria Groove e Muse Maya, com direito a sample do poeta Vinicius de Moraes.
Em toda a sua discografia, desde 2015, o rapper é conhecido por cantar sobre a sociedade, poder, sexo e religião com metáforas poéticas e cruas. Não tem como apertar o play no som do Baco e não entrar no ritmo e nas discussões do que ele canta.
Com este lançamento recente, Baco já alcançou a posição de quinto álbum mais ouvido no planeta.Cantando em 12 faixas, as rimas questionam “Quantas vezes você já foi amado?” expõem e explicam em versos de poesia a solidão do homem preto.
Para ajudar a gente a entender um pouco mais sobre a solidão do homem preto, o Portal KondZilla foi atrás de alguém que vive e ensina pras comunidades a respeito do tema.
Nosso entrevistado da vez, pra trocar essa ideia de quebrada pra quebrada, foi Rafael Santos, 33 anos, casado, integrante do coletivo “Pais Pretos Presentes” e administrador do projeto Sanko Family, junto com sua esposa, onde compartilham muito a respeito de formação pessoal e familiar, e educação anti racista.
Rafael é descendente de migrantes baianos, outro ponto em comum com Baco. A sua família veio da Bahia para São Paulo e se instalou na periferia para tentar fazer a vida na metrópole, onde as chances de emprego eram maiores.
Perguntamos ao Rafael quando foi que ele se deu conta da existência dessa solidão, que é própria do homem preto:
Rafael – “Assim cara… Eu era jogador de futebol né irmão? Então assim, é uma profissão de muito status, você viaja muito, você ganha dinheiro, você conhece pessoas, você tem acesso. Mas a sua identidade pra você estar nesse meio, ela é muito retirada, né? Muitos dos jogadores de futebol, eles não se reconhecem enquanto homens pretos. E o preterimento do homem preto ele se dá quando o cara nasce.”
Até porque, ser preterido, ser quebrada significa ser rejeitado. Sendo escolhido (sem a própria vontade) a algo. E nosso convidado continua…
Rafael – “No momento que eu comecei a jogar futebol, que eu comecei a ter um certo destaque, eu comecei a ser reconhecido pela minha profissão. (…) Eu paro pra pensar que antes eu tinha que ir pros meus cursos de informática de ônibus sozinho e ninguém sentava do meu lado e eu era uma criança irmão”.
Nessa linha, Rafael conta que se deu conta da solidão quando parou de jogar futebol. Perder o status, perder aquilo que dava algum valor a ele diante da sociedade, fez com que voltasse a ser marginalizado. Foi então que se deparou com a questão de que a solidão do homem preto é imposta pelas circunstâncias sociais, no cotidiano, na sutileza.
Rafael – “A partir do momento que já não tinha mais, eu comecei a ser marginalizado novamente. Foi onde virou a chave. E foi quando eu comecei a entender um pouquinho do movimento que estava acontecendo ao meu redor na verdade… O homem preto na real… Ele é ele é sozinho desde o momento que ele nasce. (…) São coisas do cotidiano, é uma sutileza que é ainda mais cruel, está ligado? E você começa a normalizar, você começa a achar que você tem algo de errado, você começa a querer a aprovação do outro e nunca chega. Você não existe, existe um CPF.”
Papo de solidão?
Como explicar? Seria, estar solteiro ou sozinho em algum lugar? Não! Perguntamos ao Rafael, onde foi que ele aprendeu sobre o assunto, sobre a temática de raça e masculinidade que ele ensina e vive:
Rafael – “Foi na favela que eu aprendi o senso de comunidade, que vem de África. Quando a gente tava na rua, nós como crianças, nós éramos responsabilidade de toda a vizinhança. Então, toda vizinhança cuidava de todas as crianças que ali estavam”
Mas, ele ressalta que mesmo com essa vivência de comunidade, tinham coisas que não aprendeu sobre a vida e sobre o mundo. Cresceu sem referência saudável de masculinidade, sem referência de seus valores, sem saber se poderia chegar em algum lugar. Rafael enfatiza que na época, as únicas opções de um futuro bem sucedido “disponíveis” para meninos como ele era ser cantor de rap ou jogador de futebol.
Não era possível, e ainda não é, entender como homens pretos se expressam socialmente, se não, pelos artifícios do “negão de tirar o chapéu”, homem viril com apetite sexual, fetichizado e erotizado.
Para ajudar na nossa reflexão, sobre o quão superficial é a visão a respeito das qualidades do homem negro, Santos conta algo que fez parte das nossas discussões mais recentes na internet.
Ninguém pegou a visão
Na primeira semana do Big Brother Brasil 22 (BBB), ouvimos da participante Natália um comentário que foi motivo de discussão e de críticas na internet. Veja abaixo:
Este é um pensamento equivocado, mas Rafael não culpa Natália por este comentário (como muita gente na internet fez). Para ele, por muitos anos esse pensamento foi ensinado porque a história dos negros não é contada pelos negros.
E o comentário da Natália não está muito longe de algumas visões do dia a dia como achar um homem negro bem qualificado pra trabalhar de segurança por ele ser alto e forte, porque impõe medo.
Outro exemplo que podemos tratar é não darem credibilidade àquilo que o homem negro sonha, já não basta não ter referências, sonhar alto é motivo de piada. Durante a conversa, Rafael lembrou outro caso no BBB que foi a fala do Luciano, sobre querer ser famoso.
Motivo de memes por todas as redes sociais, muitos podem dizer que é porque ele não apresentou nenhum conteúdo para poder ser famoso. Porém, se olharmos para outros participantes, podemos levantar os mesmos tipos de questionamentos. Afinal, qual o conteúdo que cada pessoa do BBB tem a oferecer antes, durante e depois de um reality show?
A solidão do homem preto acontece também quando este tem que se esforçar em dobro para ser alguém, e quando se torna alguém, é só a partir da aceitação da sociedade sobre seu conteúdo ser bom ou não.
Como Baco canta na faixa “sinto tanta raiva”, o pior de tudo é o povo preto desencorajar, subjugar e não dar referência ao próprio povo preto: “Jovem demais pra ser representante de algo Você se parece comigo, por que me vê como alvo? A internet lembra minha cidade, guerra de bairros Negros fazendo outros negros serem cancelados.”
A revolução dos afetos
Dessa incrível conversa que tivemos com o Rafael, podemos dizer que neste álbum, Baco faz um ato revolucionário junto a todo homem preto brasileiro. Há muito tempo cantamos de afetos, falamos de amor, falamos de sexo. Mas Baco, canta os afetos ligados à identidade do homem preto.
Ademais, Santos alerta que “a quebrada precisa reconhecer seu valor (…) Fomos impedidos de sentir nossa vulnerabilidade”. Baco questiona “Quantas vezes você já foi amado?” e nos faz também refletir muito sobre quem nos escolhe.
O raciocínio da conversa é que todos os dias, o homem preto é escolhido pela polícia, pelos subempregos, pela rua, além de ser escolhido e amado pelos fetiches dos relacionamentos fluidos.
Podemos dizer, que para Baco, Rafael e boa parte dos homens pretos, é necessário falar e sentir que um homem preto, sempre tão forte e tão viril tem direito de chorar, ou seja, não precisa ser forte a todo momento, não precisa ser guerreiro a todo momento.
Por fim, o que ouvimos do cantor em seu novo álbum, podemos ouvir de outras vozes: muitas vezes, o homem preto se torna solitário, simplesmente por ter que se esforçar tanto para fazer a favela vencer, sem nenhum voto de confiança.