Comportamento

Retificação do nome, um direito básico para a comunidade trans

29.01.2022 | Por: Glória Maria

Nosso nome e nossa identificação são direitos básicos, certo? Parece ser um assunto mais do que acertado, mas esse direito ainda é uma luta para a comunidade trans, que ainda tem dificuldade para conseguir a retificação da documentação. Neste mês da Visibilidade Trans, nós da KondZilla vamos te contar duas histórias de pessoas que passaram por esse processo. Pega a visão:

Em 2018, o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou a mudança de nome de transgêneros sem laudo médico ou cirurgia de redesignação, o que representa uma vitória e um avanço social. De lá pra cá, pessoas trans passaram a fazer o corre para retificar o documento e ter uma vida mais digna.

A jornalista e produtora Sanara Maria dos Santos, 22, moradora da favela da Ilha, São Paulo, conseguiu a nova certidão em 2021. Ao longo de 5 meses, ela fez o corre de conseguir todos os documentos para tirar a tão sonhada certidão de nascimento com seu verdadeiro nome. Para ela, a retificação é um direito que mostra a sua existência no mundo, “Esse documento comprova que eu, Sanara Maria dos Santos, existo”, conta.

O jornalista Caê Vasconcelos, 30, cria da Vila Nova Cachoeirinha, também conseguiu retificar seu nome no final de 2020, após dois anos da liberação do STF. Caê relembra que há 5 anos, pessoas transgêneros precisavam entrar na justiça com laudo médico comprovando que não era uma doença. Só em 2019 que a OMS reconheceu e retirou a transexualidade da lista de doenças.

Outra opção adotada para comunidade trans é o nome social, ou seja, como a pessoa deseja ser chamada, mas ela não se enquadra no RG, e nenhum outro documento, por isso a retificação é esse passo importantíssimo para comunidade. É um processo de auto afirmação do gênero e do nome. Sanara, conta que a sociedade é binária, que está voltada somente ao feminino e masculino, e que não dá espaço para as pessoas dissolverem o gênero. Um mundo embasado na transfobia, que nega a existência da diversidade de corpos e identidades. 

A caminhada não foi fácil!

Caê Vasconcelos afirma que falar sobre transcestralidade é falar sobre conquista. Conquistas essas que vem de uma luta ancestral em relação ao país que mais mata pessoas trans no mundo.  Para ele, o Brasil está longe de chegar na humanização de corpos trans, mas acredita aos poucos na caminhada contra a transfobia. E a retificação é um desses caminhos que a luta conseguiu abrir. 

Com esse avanço, Sanara Santos compartilha que a correria de conseguir seu novo documento não foi acessível. Para ela, esses meses foram desgastante psicologicamente, por conta da quantidade de documentos exigidos, e com a pandemia intensificada, a locomoção ficou mais difícil. “A pandemia também prejudicou a funcionalidade dos sistemas públicos, privados e terceirizados. Sistemas que não facilitam a inserção de pessoas trans”, disse.

Sanara Santos
Imagem: Regiane Sena

Além disso, ela afirma que um dos sentimentos mais presentes nesse percurso foi a impotência, e em todo momento esse processo a desrespeitou, principalmente vindo dos olhares das pessoas. Ela ressalta que manteve a postura e a cabeça levantada para conseguir cobrar seus direitos e se reafirmar todos os dias. “Quando entreguei todos os documentos, ligava no cartório diariamente. Eu precisava daquele documento porque além de eu ser uma pessoa trans eu também sou uma mulher negra, e se eu for parada na rua sem documento ia ser constrangedor”, relata.  

A retificação ainda não é acessível 

Caê conta que apesar de ser uma conquista, ela ainda é inacessível e lembra que na época gastou R$800. Ele também afirma que a transfobia é uma estrutura de muitas camadas, começando muito antes de um corpo tombar:  “A violência começa em negar direitos, em garantias básicas”. 

Caê Vasconcelos com sua nova certidão
Imagem: Arquivo Pessoal

Sanara Santos também teve que tirar dinheiro do bolso, o gasto foi no mínimo R$500. Dinheiro que ela juntou, que saiu do salário, aluguel, e alimentação. Ela conta que retificar o nome ainda não é acessível, porque exige um gasto financeiro, e 90% das pessoas trans estão em trabalhos informais. “A retificação deveria ser gratuita. Todos têm o direito de ser reconhecidos como gente, como ser humano”, comenta.  

Apesar de todas as dificuldades há o momento de satisfação e felicidade. Caê traz a memória de quando viu seu nome no RG, Caetano Andrade Vasconcelos, o sentimento foi de humanidade. O documento com seu verdadeiro nome foi um ato de revolução em sua vida:  “Ninguém poderia dizer que aquele não era eu. O meu RG comprova que eu sou o Caê, e isso me faz uma satisfação imensurável”. 

Enquanto Sanara Santos compartilha da mesma felicidade, pois a retificação é um passo para a autoafirmação. Quando Sanara recebeu sua certidão, ela se sentiu representada, forte, existente, se sentiu gente!”Adoro olhar meu RG, e ver Sanara Maria dos Santos Araújo, é ELA! Sou eu. Eu existo, finalmente”, finaliza.

Está perdido em saber como funciona a retificação? 

A CASA 1 e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA e o escritório Baptista Luz Advogados produziram um manual que explica passo a passo o processo de retificação.  

Deixamos aqui o guia para retificação do registro civil de pessoas não-cisgêneras 

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