Comportamento

Profissão Motogirl: conheça o corre das mulheres que trampam sobre duas rodas

26.03.2021 | Por: Rayane Moura

Quantas minas já buzinaram no portão da sua casa para fazer entregas? Cerca de 25% do total de motociclistas no Estado de São Paulo são do sexo feminino. Em uma profissão de maioria masculina, as mulheres enfrentam diversos desafios em ser motogirls. Por conta da pandemia e a necessidade de fechamento do comércio para a prevenção à Covid-19, os serviços de delivery se tornaram uma opção para as pessoas que perderam ou tiveram a renda reduzida. Com isso, o número de mulheres na profissão aumentou. Pensando nisso, o Portal KondZilla bateu um papo com algumas motogirls, para mostrar um pouco do corre que essas meninas fazem diariamente. 

Segundo dados do Detran/SP, de janeiro de 2019 a janeiro deste ano, houve um aumento de 8% no número de mulheres habilitadas em todas as categorias para a condução de motocicletas, passando de 2,2 milhões para quase 2,5 milhões.

Além disso, o número de mulheres habilitadas a pilotar motocicletas cresceu 95,7% entre 2011 e 2020, segundo informações do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Analisados pela Abraciclo, Associação dos Fabricantes de Motos, os dados revelam que até novembro do ano passado, já haviam 7.833.121 mulheres motociclistas no país. No início da década passada, elas somavam 4.002.094 de carteiras de habilitação na categoria A.

Gabriela

Gabriela de Oliveira Medore, de 35 anos, é moradora da Praia Grande, no bairro Vila Mirim. Motogirl desde 2015, iniciou na profissão fazendo apenas delivery e pequenas encomendas para ganhar um dinheiro extra. “Por incrível que pareça desde criança sempre fui apaixonada por motos. Tudo que queria era ter minha moto pra trabalhar, eu gosto dessa liberdade”, conta ela sobre a paixão. 

Assim como a maioria das mulheres que são motogirl, Gabriela já passou por diversas situações desagradáveis. “Sou recebida bem na maioria dos lugares, porém algumas vezes precisamos ter jogo de cintura para lidar com as situações. Assédio nunca sofri. Preconceito sim, porém estava ali para realizar meu trabalho e relevei”, explica. 

“Procuro sempre me manter calma no trânsito e agir da maneira correta. Na maioria das vezes as pessoas não respeitam. Já sofri algumas tentativas de assalto, mas Graças a Deus que nada me aconteceu”, conta Gabriela sobre os riscos que corre durante o dia a dia de trabalho.   

Sobre o reconhecimento das minas que são motogirls, Gabriela diz que melhorou de uns tempos para cá. “Acredito que melhorou bastante o reconhecimento nos últimos anos, as mulheres estão representando bem na categoria”, explica ela. 

Gabriela não pensa em deixar a profissão tão cedo, e nem em escolher outra coisa para fazer. Os trampos deram tão certo, que Gabi se tornou uma microempreendedora individual, e precisou abrir uma empresa de entregas em seu nome, a Flecha Motoboy

Além das entregas na baixada santista, Gabriela também parte para o litoral sul e norte, toda a grande São Paulo, e interior quando é chamada. “Primeiramente amar a profissão, pois não é fácil, é perigoso e cansativo. Porém é gratificante viver em liberdade, conquistar os seus objetivos  e trabalhar com o que se ama”, mandou o papo sobre como é ser motogirl. 

Ana Paula

Ana Paula Leal, de 38 anos, é moradora do Jardim Thelma, em São Bernardo do Campo. Desde 2016 sendo motogirl, ela iniciou na profissão para ter um dinheiro extra e no fim, acabou se tornando a sua principal e única fonte de renda. O ofício não foi necessariamente uma escolha, e sim uma necessidade. 

“Na época eu era atendente de telemarketing e o salário mal dava pra pagar as contas de casa. Então, me ofereci para fazer entregas de marmitas para um conhecido que havia montado um restaurante na rua em que eu morava, em troca do almoço e taxas de R$3 por entrega”, explica. 

Ana Paula diz que na maioria das vezes é bem recebida, e brinca com a confusão que fazem ao ver uma mulher fazendo o serviço. “98% das vezes sou muito bem recebida. Já fui chamada de ‘Ôh motoca’ ou ‘Fala aí amigão’, geralmente moto+capacete+jaqueta de motoqueiro já caracteriza ‘O entregador’ justamente por ser uma profissão majoritariamente masculina, então eu descontraio e corrijo”, conta. 

“Sobre os 2% que faltaram, assédio já aconteceu mas não na ênfase da palavra. Levo na brincadeira e rapidamente retomo o motivo real do contato, que é a entrega”, conta Ana, que já passou por diversas situações desagradáveis. 

“Certa vez, encostei num pet shop para fazer uma entrega e quando tirei o capacete, dois motoboys que estavam lá parados se cutucaram rindo e um falou em tom para que eu pudesse ouvir: ‘Vish Mano, acho que vou pra casa esquentar a barriga no fogão e depois esfriar na pia’. Relevei, eu não disse nada”, relembra Ana em uma das situações que passou. 

Em um desabafo no Facebook, Ana relembrou uma outra situação que viveu. A motogirl não conseguiu entregar uma pizza, pois o cliente não a recebeu ao ver que era uma “menina com os cabelos engordurados pegou na caixa da pizza”. No fim, Ana deu a pizza para um casal em situação de rua. Se liga na história: 

Desabafo… Sou motogirl há 4 anos e trabalho todos os dias para obter minha vida de forma digna e poder prover o meu…

Publicado por Ana Paula Leal em Domingo, 27 de outubro de 2019

Mesmo com todo o reconhecimento de mulheres na categoria, e o número de motogirls aumentando, Ana ainda acredita que falta mais respeito. “Me entristece saber que em pleno século XXI, onde a mulher pode ser pai e mãe ao mesmo tempo, a mulher pode ter dupla jornada de trabalho, mas não pode ter um trabalho que a sociedade caracteriza ‘de homem’ e já vem com patriarcado antiquado”, explica. 

Desde do início da Pandemia, Ana não deixou de trabalhar e os serviços apenas aumentaram. “Por se tratar de serviço essencial o fluxo vem aumentando consideravelmente, porém, vemos muitos profissionais de outras áreas que ficaram desempregados por conta da pandemia e que tem moto se cadastrando em apps e indo para as ruas fazer entrega”, conta ela, que atualmente tem os próprios clientes particulares.  

Ana também deixou um recado para motivar as mulheres que pensam em ser motogirls. “Lugar de mulher é onde ela quiser, é onde ela possa se sentir feliz. Nós temos infinitas habilidades e com isto, as oportunidades aparecem! Cabe a nós nos colocarmos em todos os espaços e fazer com que as pessoas compreendam: Tenho moto, tenho coragem, preciso trabalhar, então por que não?”, concluiu. 

Elilza

Elilza Maria Caetano da Silva, de 39 anos, é moradora do Jardim Calux, em São Bernardo do Campo. Desde 2012 sendo motogirl, Elilza iniciou na profissão após ficar desempregada e aceitar um trampo para fazer entregas oferecido por um amigo. “É uma liberdade que eu amo, e não penso em outra profissão”, conta. 

Tendo a profissão de motogirls como sua única fonte de renda, Elilza tem uma dupla jornada de trabalho: durante o dia tem um emprego fixo em um empresa de entregas, e a noite faz deliverys por aplicativos. “Só Deus pra nos guiar é cada livramento, algumas pessoas respeitam no trânsito, outras não. Vejo que os motoristas ainda estão longe de respeitar os motociclistas em geral”, explica ela sobre os riscos que corre diariamente. 

“Tem que gostar de pilotar, tem que ter coragem, pois é na chuva e no sol, e claro, ter muita cautela: sempre respeitar o limite de velocidade, passar no corredor com calma se não conseguir da passagem, esperar e assim vai”, explica Elilza sobre a profissão. “Decidi ser motogirl justamente pela liberdade que tenho, faço meu roteiro, e faço as entregas da melhor forma para mim”, conta. 

Assim como Gabriela, Ana Paula e Elilza, muitas outras mulheres exercem a mesma profissão, e são motogirls. Mesmo com os números crescendo, o assunto ainda precisa ser pautado, pois essas mulheres precisam de visibilidade e menos pré-conceito que já vem sendo estabelecido pela sociedade há muito tempo, além dos riscos que correm diariamente. Valorizem o trampo das minas!

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