Comportamento

Nitro Point na visão das minas

30.09.2019 | Por: Fernanda Souza

Aqui no Portal da KondZilla você já deve ter lido o artigo explicando o que é a Nitro Point, e também conferido os registros fotográficos do Jeferson Delgado no maior encontro de todos os bailes com equipes de som e paredões em São Paulo. Desta vez, você vai ler a visão do ponto de vista de uma mina. Colei na última edição do evento da Nitro que rolou no Estádio da Portuguesa, para poder deixar aqui um pouco da vivência pra vocês. Mas não para por aí, o rolê foi tão foda que além da minha perspectiva como mina funkeira, rolou fotos, uma troca de ideia e depoimentos que vão somar com meu relato. Se liga na visão.

Como eu disse, a ideia inicial desse texto era colar na Nitro para relatar minha visão como funkeira, só que virou uma coisa maior, vou usar o espaço deste texto pra mostrar como as minas se divertem e desconstruir alguns preconceitos. Porém, antes de tudo, vou contar um pouquinho sobre minha história no funk pra vocês.

Tudo começou com a onda Furacão 2000, aproveitando as quermesses e as festinhas de família. Com 14 anos, naturalmente, eu me rendi ao movimento funk, e foi com Os Hawaianos, MC Magrinho, MC Menorzinha, Zói de Gato e tantos outros, que em meados de 2010 comecei a curtir bailes na zona sul de São Paulo. Inclusive, umas das minhas melhores lembranças são as meias na canela, bonde da juju, ecko red e aqueles aquecimentos que todo quebrada tinha no Motorola V3.

Dos bailes pros fluxos foi um pulo. Lembro como se fosse ontem, quando fui pro baile de Paraisópolis com meu irmão Gustavo. Assim fui conhecendo outros fluxos, como os bailes da Dz7, Helipa, 12 do Cinga, Pantanal, JB, Iraque, Elisa Maria e tantos outros. A parada sempre foi ir pra dançar (o que sempre me senti bem a vontade nesses espaços), ouvir uns graves bem alto, conhecer pessoas como eu e claro, conhecer outras quebradas.

Baile da Nitro Point – Estádio da Portuguesa, a visão das mina

Eu amo essa cultura que, por mais que não pareça, é democrática. Qualquer um pode encostar e é comum ver todo tipo de gente fazendo parte desse movimento. Sem falar nas misturas musicais que os sub-gêneros do funk agregam.

Outro ponto positivo é a dança, e dançar sempre foi uma parada que me fez colar em qualquer baile. Eu e minhas amigas sempre presenciamos momentos de liberdade, mesmo que, como em todo lugar, tenham os loucos que não respeitam as minas. Só não dá pra generalizar e dizer que isso é papo somente de baile funk, né?!

Na verdade, as vivências provam um outro lado não apresentado pelo senso comum. Para você entender melhor essas ideias, mostrei as pessoas reais do baile e um pouco de suas vivências.

Camila e Kaylane foram duas das minas que mais chamaram minha atenção. As duas parceiras dançando me lembraram os roles que eu também faço com minhas amigas. Estavam dançando demais, com um sorrisão na cara e, óbvio, presentes com um estilo original. Kaylane Sales (de cabelo cacheado) é da quebrada do Lauzane, zona norte. Ela contou que gosta de ir pro baile pra ouvir bem alto as músicas que ela curte, dançar e ficar com os parceiros. “Nossa, eu gosto bastante de dançar, principalmente funk. Inclusive tem vários vídeos meus dançando [na internet]. Pra mim não importa a hora ou lugar, o funk bate e eu desenrolo’’, conta Kaylane.

Falando em desenrolar, encontrei vários bondes de minas, com seus próprios drinks, portando os kit chave e o melhor de tudo: sem depender de homem pra nada. “Isso é bom pra mostrar pras mina que nós, mulheres, não dependemos de homens pra curtir o baile’’, comenta Dayene da quebrada da Jova Rural, Zona Norte.

Ainda no papo sobre não depender de homem com Dayene, que tem 23 anos e cola há 9 anos no baile, ela soltou umas ideias muito fodas sobre como cada dia que a passa as mina das vilas conquistam seu respeito. “Nunca dependi de homem. Eu trabalho, vou atrás das minhas coisas. Se for pra sair, eu que pago o meu e não dependo de ninguém. As mina que tava comigo é na mesma caminhada que eu’’, relata Dayene.

E não para por aí, Dayene ainda disse que às vezes tem uns emocionados no baile, ou seja, sem postura, que tentam mexer com as minas. Mas como ela mesmo disse: “nós colamos de bonde, se for preciso, a gente cola na bala. São outros tempos graças a Deus, a cada dia que passa nós mulheres ficamos mais independentes’’. Isso mostra um pouco do que eu disse pra vocês sobre a parada da liberdade das mina no baile. É isso, nós temos mudado as visões da nossa cultura!

Outra parada foda que rola na Nitro é que menor de idade pode colar, desde que esteja com uma autorização legal ou na presença dos pais. Você pode pensar: que pai ou mãe vai querer colar no baile? Pois é, pega essa visão.

Conversei com a Mônica Venâncio, de 41 anos, e Gabrielly Venâncio, de 15 anos, mãe e filha na Nitro Point curtindo um domingão ensolarado com muito funk. Perguntei a Gabrielly se ela se incomodava com a presença da mãe ali. “Eu amo quando ela vai, porque ela se diverte muito e fica feliz. Na maioria dos ‘pião’, ela aproveita muito mais do que eu. Antes eu não gostava muito, achava estranho ir com a mãe pro baile, por medo dela achar que eu poderia usar droga, porque infelizmente tem gente que usa. Mas ela é consciente e diz que isso tem em todo lugar, que não é coisa só do nosso movimento não’’, relata Gabi.

Gabrielly ainda passou uma ideia muito responsa sobre o quanto prefere a mãe com ela no baile do que em casa preocupada, sem dormir e a esperando chegar. A mãe, Mônica, contou que gosta de funk e curte acompanhar a filha pra conhecer os bailes de SP.

“Existe muito preconceito de quem nunca foi ou não faz parte da cultura baile. Acham que todo mundo vai pra usar droga ou arrumar brigas, mas a maioria vai pra curtir. Lógico que como em qualquer lugar tem todo tipo de gente”, explica a mãe Mônica. “Gosto de ver a molecada e dançar. Claro que algumas letras soam pesadas e ofensivas, mas percebi que os jovens cantam numa naturalidade que talvez o duplo sentido esteja na cabeça de quem não conhece um baile funk’’.

Bruna (de short com estampa militar), de 18 anos, me disse que sofre muito preconceito por ser funkeira. Acham que as meninas de baile não prestam, ou ainda, que sofrem algum tipo de abuso. ‘’Hoje em dia o fato de você colocar um shorts e rebolar a raba já vão te chamar de puta. Já falaram pra minha mãe que eu estava liberando pra geral no baile. Isso dói’’, confessa Bruna.

‘‘O paredão é o ícone da festa. É como se eles controlassem o baile pela música, já que todos estão ali para isso’’, comenta Renata (a de regata amarela), uma mina super gente boa da equipe do famoso Paredão Terrorista. Ela ainda disse que os manos a respeitam e quem é da equipe tem disciplina. Não é assim, tudo bagunçado como as pessoas acham.

Não posso terminar esse texto sem falar da picadilha. A mulherada trajando cada kit chave, extremamente arrumadas e independentes. Perfume exalando, os alongamentos de gel e cílios (que estão na moda), as pratas no pescoço e inclusive tem mina que é do bonde da Oakley, de lupa, colete e umbrella.

O papo é esse, a gente pode ter umas ideias erradas sobre aquilo que não fazemos parte, sobretudo, o que é criminalizado, de preto ou de pobre, como o funk que é um cultura pertencente às quebradas. Sempre vivenciei situações que provam que o baile não é o que o senso comum acredita ser. Principalmente, na visão de uma mina.

Enfim, foi um rolê foda, junto com meu parceiro Roney Silva no toque das fotos. Enquanto eu trocava um papo ele ficava no registro. E para finalizar, curte ai mais umas fotos pra ver um pouquinho mais do que pegou na nitro.

 

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