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‘Sintonia’ tem perspectiva original sobre a vida de jovens da periferia de SP

11.11.2021 | Por: Gabriela Bulhões

De todas as experiências feitas até hoje pela Netflix no Brasil, “Sintonia” é uma das poucas que conseguiu ir além dos interesses comerciais e estratégicos da empresa. A série destinada ao público pós-adolescente oferece uma perspectiva provocadora sobre a realidade de jovens que vivem num bairro da periferia de São Paulo.

Por meio de três amigos de infância, desenhados como arquétipos (o cantor de funk, a evangélica e o criminoso), a série reflete sobre alguns caminhos possíveis e outros inevitáveis numa “quebrada” esquecida pelo poder público.

“Sintonia” foi idealizada pelo comunicador e produtor Kondzilla, nome artístico de Konrad Dantas, dono do maior canal brasileiro no YouTube e um dos maiores do mundo, com 65 milhões de assinantes. Hoje com 33 anos, ele próprio nascido numa quebrada, no Guarujá (SP), apostou em cantores de funk, produzindo vídeos que ajudaram a popularizar vários artistas.

Não por acaso, um dos protagonistas de “Sintonia” é Doni, um cantor de “funk ostentação”, que se endivida para gravar o primeiro clipe. Vivido pelo também músico Jottapê, nesta segunda temporada, Doni passa a ter a carreira agenciada pela produtora de Kondzilla, que oferece as condições e dita as regras para alcançar o sucesso.

O garoto exala otimismo e boa-fé. Explicando para uma “influencer” como é a vida na comunidade onde nasceu, diz: “Aqui todo mundo se conhece, um entra na casa do outro. É tipo uma família gigante”. O funk que representa esta nova fase da sua vida fala: “Nós que nunca teve nada, hoje tá tendo e vai mandar buscar”.

Rita, interpretada por Bruna Mascarenhas, agora dedica-se integralmente à igreja evangélica que a acolheu na primeira temporada. A série apresenta esta igreja de forma muito mais positiva que a vista usualmente no cinema ou na TV.

Assim como a produtora, o ambiente religioso é um espaço de proteção e poucas cobranças. Para reformar um espaço para orações no bairro, Rita não pede doações aos fieis mais humildes, mas aos comerciantes bem-sucedidos. Os interesses políticos e a ambição de ascensão social do casal de pastores que comanda a igreja são mostrados com alguma sutileza, sem a pretensão de denúncia.

Cabe a Nando representar o lado mais cru de “Sintonia”. Ele cresceu na hierarquia do crime e agora comanda o tráfico de drogas na comunidade. Não é deslumbrado com a riqueza subitamente adquirida, tem senso de justiça e não deixa que as suas atividades contaminem a amizade com Doni e Rita. Mas vive na corda bamba. É o único negro do trio.

Vivido por Christian Malheiros, Nando é o personagem mais bem construído e complexo da série. O ator, de 22 anos e muitos recursos, foi premiado por seu papel no filme “Sócrates” (2018) e está também, ao lado de Rodrigo Santoro, em “7 Prisioneiros”, que estreia nesta quinta-feira na Netflix.

Quem oferece proteção a Nando é uma organização criminosa. As cenas sempre tensas em que definem ações e resolvem problemas impressionam demais.

Quando escrevi sobre a primeira temporada de “Sintonia”, registrei o incômodo que me causou o seu indisfarçável didatismo. O problema se repete nesta nova safra de episódios. O texto às vezes parece gritar no esforço de alertar o jovem espectador a não vacilar ou ir para o mau caminho.

Por outro lado, é preciso entender os motivos que justificam essa opção de Kondzilla. Como diz a música de um funk cantado na série após uma cena de violência terrível, “não existe justiça no fundão dessa cidade”.

Fonte: Coluna Mauricio Stycer pela Folha de S. Paulo

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