Educação

Os desafios de concluir o nível superior sendo um jovem negro

20.11.2019 | Por: Wenderson França

Favela e violência estão sempre interligados. Mas interligados pelo estereótipo. Afinal, para quem acha que favela se resume a violência está muito enganado. Favela é sinônimo de correria, sede de vitória, apoio entre os seus, cultura e cada vez mais expressão de pretos formados. Por isso, para celebrar mais um 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, trouxemos profissionais negros formados em diferentes áreas para passarem a visão dos desafios de concluir o nível superior. Cola com o Portal KondZilla e pega o papo sobre: ser negro em uma universidade, mercado de trabalho, programas sociais, incentivo familiar e dificuldades diárias.

Falar sobre negros e universidade nos coloca em uma linha tênue entre números e fatos. Ainda que estudos como o do IBGE “Desigualdades Sociais por Cor e Raça no Brasil“, com dados atualizados sobre a questão da desigualdade a ponte que “Negros são maioria nas universidades públicas” eu, jornalista negro, de 23 anos, ainda que estudante de universidade particular sei e posso dizer que as coisas são bem diferentes. Mesmo assim, um dos caminhos para que a desigualdade racial possa ser extinta é trabalhar a educação.

Relatos de um preto requerente do ProUni em 2005

Já contamos histórias como a de Samuel Gomes, 31 anos, das quebradas da Vila Guarani, zona sul de São Paulo. Gay, preto e favelado ele é designer gráfico, ganhador de prêmios com seu livro “Guardei no Armário” e ainda tem conquistado o mundo através de suas palestras e vídeos com seu canal no Youtube.

“Eu nem sabia ao certo o que era o Prouni, fiz a prova e preenchi o formulário porque uma professora tinha me indicado. Até então, eu não tinha sequer ideia de futuro. Nesses anos todos de aflição e medo, não fiz planos, pois acreditava que iria morrer antes mesmo de entrar numa faculdade”, explicou ele.

Sem o incentivo social seria ainda mais difícil de chegar na faculdade. “Quando o Prouni nasceu no segundo ano de existência eu participei e ganhei 50% de bolsa no curso de Design Gráfico na antiga Uniban. Existia na época uma certa discriminação com pessoas que viam através de cotas do governo, coisa que não mudou até hoje. Os Prounis ficavam separado do restante da sala nos grupos de trabalhos, eram visto como menos inteligentes e preterido muitas vezes”, lembra Samuca.

Mesmo diante a muitas dificuldades desistir nunca fez parte dos seus planos, mesmo que a conclusão significasse uma saúde mental doente. “[Nenhum problema] diminuiu a nossa garra de lutar pelos nossos sonhos e sempre tiramos as melhores notas. Éramos a turma que não saia da sala no intervalo, que ficava até as portas da faculdade fecharem, que não saia para barzinho, que ficava noites e finais de semanas fazendo os trabalhos e estudando”, concluiu lembrando de acontecimentos de quase 15 anos atrás.

 

Pretos, favelados e universitários indo contra as estatísticas

A história do Samuel mostra um passado difícil, que infelizmente, quase 15 anos depois, o racismo segue se fazendo presente dentro das universidades.

Lucas Mendes de Almeida, 26 anos, morador das quebradas de São Miguel paulista, extremo leste de São Paulo, é engenheiro ambiental formado pela Unicid (Universidade Cidade de S. Paulo) e especializado em engenharia de segurança do trabalho na mesma universidade.

Sem história triste ele é realmente o sinônimo de pretos, favelados e universitários indo contra as estatísticas. “É difícil e gratificante está em uma universidade. Difícil porque somos poucos nas universidades e discriminação é muito escancarada. Eu mesmo sofri racismo no primeiro dia de aula. Gratificante porque é uma quebra de paradigma. Conclui o curso de 75 alunos, do início da nossa turma até final restaram cerca de 20 pessoas e nós éramos em três negros. Um número pequeno, dói ser minoria”, explicou Lucas seguro da vitória que conquistou.

Depois de enfrentar este longo desafio de 4 anos, outra jornada batia a porta. O mercado de trabalho. “É um mercado injusto, ainda mais quando se tratam de cargos de alto escalão. O negro não é bem visto para ocupar tais cargos mesmo formado, capacitado e preparado para a vaga, ainda existe a barreira do racismo que o negro não pode assumir essas vagas”. A realidade é cruel mas seguimos lutando. “O negro ainda não é visto como um ser humano que pode ocupar qualquer lugar notável na sociedade”.

Gabriela Ruiz, 27 anos, moradora do Jaraguá, é formada em Serviço Social pela Anhanguera e ingressou na Universidade através do ProUni. Formada há pouco mais de um ano ela mostra que seguimos lutando e sendo exemplo para família. “Para a minha família ser a primeira a me formar é sinônimo de orgulho, de ascensão, mesmo que eu ainda não esteja exercendo na área eles comentam com todos que a ‘filha, sobrinha, prima, irmã’ é diplomada”.

A voz do jovem negro precisa ser ouvida. O corre vai muito além da universidade. “Os programas sociais são como uma porta de entrada para as universidade mas não são eficientes por si só”, falou Gabriela sobre a importância das cotas sociais. “Estamos entrando nas universidades mas ainda somos a maioria de desempregados ou estamos ocupando cargos operacionais distantes do qual nos formamos na maioria das vezes. Sinto que o objetivo final não está acontecendo”.

Seguimos lutando contra tudo e contra todos. Posso sem dúvidas dizer que juntos somos mais fortes, seja na universidade, dentro das empresas ou em qualquer outro lugar. Conquistaremos e ocuparemos lugares inimagináveis. Estaremos onde queremos estar. Esse é o nosso lugar.

20 de novembro (Dia da Consciência Negra)

Marcado como o Dia Nacional da Consciência Negra o 20 de novembro é atribuído à morte de Zumbi dos Palmares um dos maiores líderes negros do Brasil que lutou pela libertação do povo contra o sistema escravista e morreu em 20 de novembro de 1695.

A data surgiu em 2003 até que foi instituído em âmbito nacional mediante a lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A data é marcada como feriado em cerca de mil cidades em todo o país e nos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro, porém, ainda existem locais onde o feriado é facultativo.

O objetivo do Dia da Consciência Negra é fazer uma reflexão sobre a importância do povo e da cultura africana no Brasil. Também serve para analisarmos o impacto que tiveram no desenvolvimento da identidade cultural brasileira. A música, a política, a religião e a gastronomia entre várias outras áreas que foram profundamente influenciadas pela cultura negra. Este é um dia de comemorar e valorizar a cultura afro-brasileira.

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