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Movimento trap-funk une os sons das periferias

04.06.2018 | Por: Andre Izidro

Foto por: Mikael Santiago // Portal KondZilla

Não é de hoje que o funk tem uma conexão forte com o rap. Além de músicas como “Rap do Silva” e “Rap da Felicidade”, o som de Afrika Bambaataa e outros mestres do hip-hop foram influências fundamentais para que DJs como o DJ Marlboro, no Rio de Janeiro, e DJ Joseph, em Belo Horizonte, desenvolvessem os pilares iniciais do funk brasileiro. Mas desde o ano passado, essa ponte entre gêneros tomou mais força e vem ganhando uma nova cara, chamada de trap-funk.

O trap-rap conquistou popularidade no Brasil por volta de 2015 com um som bem particular: subgraves de peso, texturas mais eletrônicas, uma batida mais lenta e com levadas mais cadenciadas, vozes modificadas com autotune e um monte de ad-libs. Principais expoentes desse movimento, Travis Scott, Young Thug, Future, Gucci Mane, Cardi B e o trio Migos tornaram-se popstars nos EUA e atualmente são referência para os funkeiros do Brasil, especialmente no Rio de Janeiro e São Paulo.

É o caso do MC Fioti, que sampleou diversos traps — exemplo mais famoso é “Tcheleka | Quem Diria Ladrão”, com o MC Lan, em que usa o ponto de “Halftime”, do Young Thug” — e ainda teve a participação do Future na versão internacional de “Bum Bum Tam Tam”. “Os caras que a gente visa são eles [gringos]. O flow que eles têm no trap é muito diferente, vem com uns cracks [interjeições ou palavras soltas entre os versos], um lance pausado. E ao mesmo tempo é simples. É só a voz com um grave foda e um pontinho maneiro”, diz Fioti.

Mas a influência acontece numa via de mão dupla. Assim como o pessoal do funk pira no trap, também tem gente do trap que vai buscar referências do funk. É o caso do DJ e MC Jhef, que comanda a My House Produções. Primeiro ele incluiu um beat de funk no fim da música “O Legado – Parte 2”, uma mistura que apareceu discretamente, mas já assustou seus fãs no fim de 2016. No ano seguinte ele mergulhou de vez nessa fórmula com “Nóis no Rolê”, ao lado do MC Pedrinho, e depois ainda fez parcerias com os MCs Davi e Hariel.

“Pode-se dizer que o primeiro grupo [de rap] do Brasil a pôr loops de funk em algum intervalo do som foram meus amigos do All-Star Brasil e isso influenciou as demais experiências, onde me permiti ser um dos pioneiros a unir as duas vertentes de vez em um só som, contendo artistas dos dois gêneros e as estéticas de linguagem fundidas”, explica Jhef, em entrevista por email, citando também Chris Brown, Drake e Rick Ross como suas referências principais.

O produtor WC no Beat também sacou essa ponte entre os dois estilos musicais e passou a chamar MCs de funk e rap para colocar suas vozes num álbum especial, que seria uma espécie de testamento do trap-funk. Após um ano de trabalho, nasceu o álbum “18K”, recheado de participações ilustres. Do lado do funk tem o TH, Lan, Pocahontas, Jhowzinho e Kadinho, Gaab, Hariel, Don Juan, Maneirinho e Cabelinho. Do trap vieram o BK’, Luccas Carlos, Rincon Sapiência, Cacife Clandestino, Pelé Mil Flows e outros mais. Todo mundo junto e misturado.

WC ressalta que as conexões entre rap e o funk de “18K” não são tão inusitadas assim, afinal, ambos são crias da cultura periférica. “O trap atualmente toma conta na maioria das festas ao redor do mundo, seja ele em forma de música eletrônica ou de MCs cantando em cima da base com essa sonoridade. O som do 808 (termo utilizado pra descrever o grave da música) também já vem sendo utilizado em outros estilos musicais atualmente. O funk e o rap são dois estilos que vieram dos mesmo lugares, mas com uma sonoridade única. Acredito que o funk e o rap tem muito pra evoluir e também se misturar”, garante.

Um dos funkeiros presentes no álbum “18K”, o MC Cabelinho vem fazendo essa ligação com o rap há um bom tempo. Em entrevista ao Portal Kondzilla, ele fez questão de exaltar esse intercâmbio musical. “Esses dias tava no estúdio com o Felp 22. Ele me perguntou: cara, o que cê sente quando ouve um beat de rap? Respondi que sinto vontade de voar. Um sentimento de que agora posso escrever o que eu quero, dizer o que eu penso. No funk não tenho tanto liberdade. Digo por mim, não sei se todos os funkeiros pensam assim. Adoro fazer parceria com os rappers”.

Os MCs WM e Bin Laden acabaram não participando do “18K”, mas também são importantes nesse processo de atualização do funk/rap. Os dois também entraram na onda trap, só que através de colaborações com rappers e produtores da África, conhecidos pela marca do afrotrap — estilo popular em Angola e alguns outros países africanos de língua portuguesa que une o trap americano com beats do kuduro e da kizomba. WM encontrou o grupo Sevenlox, da Guiné Bissau, e soltou o clipe de “Sem Boi” no Canal Kondzilla. Já o Bin Laden foi convidado pelo Deejay Telio e Deedz B e foi até Angola gravar o clipe de “Tá Louca”.

Mais do que um reencontro entre o funk e o rap, o crescimento do trap-funk assinala a consolidação do funk como música pop brasileira dentro de um panorama da urban music mundial, capaz de unir São Paulo, Atlanta e Angola. “Acredito que o funk será a nova cena lá fora daqui a alguns anos, acreditem. Nosso ritmo vai contagiar o mundo inteiro. Acredito que o trap é o funk, os dois juntos”, finaliza WC no Beat.

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