Comportamento

Fundão Roupas, um legado da Zona Sul

03.04.2019 | Por: Jeferson Delgado

É tradicional em São Paulo cada quebrada ter seu próprio time de várzea. Na zona sul, um dos times mais conhecido é o Vila Fundão, tanto pelo respeito e tradição que o time tem, como pelas roupas produzidas que viraram uma espécie de manto sagrado para os moradores do Capão Redondo. Apesar das dificuldades no início, hoje a marca se mantém sólida e respeitada em todas as quebradas. O Portal KondZilla te conta mais sobre a história da marca e toda correria para chegar até onde estão, chega mais.

Flávia e Rodrigo, sócios da Fundão Roupas

A Vila Fundão, bairro do Capão Redondo, é uma das quebradas mais conhecidas de São Paulo. “Por um gosto pessoal do finado Neguin, laranja e preto decidiu-se, se é assim é assim”, cantou o grupo Racionais MCs na faixa “Finado Neguin“, do disco “Cores & Valores” (2014) e com esse verso já podemos pegar a visão de muita coisa. Neguin Emerson, como era conhecido na Vila Fundão, é o fundador da marca Fundão Roupas. “O início da marca foi por conta do time de futebol. O Finado Neguin que deu início, que escolheu as cores. Numa quermesse tradicional aqui do bairro, ele comprou dois pedaços de pano preto e laranja, pediu pra costureira da vila emendar e estendeu a bandeira”, conta Rodrigo Fonseca, 41, hoje sócio da Fundão Roupas junto com Flávia Dourado, 36, ex-mulher de Neguin Emerson.

A ideia empreendedora surgiu entre 7 amigos que queriam vender roupas de uma marca famosa do centro na quebrada. O projeto não deu muito certo e resultou na criação de uma marca própria de quebrada que os representassem, mas entre monta e não monta, produz e não produz, um dos sócios, Neguin Emerson, faleceu em meados de 2004 e não pode ver a realização de seu sonho. Emerson era um dos que mais tinha vontade em ver a loja ganhar vida e trabalhar em um projeto social através da marca.

Morreu o homem, mas ficou o legado e Rodrigo abraçou a ideia e eis que numa garagem pequena na Avenida Sabin, surge a Fundão Roupas lá pra 2005. “No começo da loja só tinha um boné pendurado. Como eu não manjava nada de confecção, ia em Pinheiros e comprava camiseta lisa e depois ia na estamparia. Qualidade 0, pouco dinheiro, eu ainda trampava de motoboy”. E entre vacilos, perrengues e muita luta, Rodrigo persistiu, mesmo colecionando cadernos de dívidas, mas não desistiu.

Apresentação do Racionais MCs no VMB 2012 sendo exibida na loja

E como já dizia o poeta “assim como toda felicidade é passageira, nenhum sofrimento será eterno”, eis que o progresso cantou para a Fundão Roupas quando o grupo Racionais MCs e seus convidados se apresentaram inteiramente trajados de Fundão no VMB 2012. “Eu entreguei aquela camiseta que o Brown usou no VMB. Era 19h, quando um menor veio buscar. Eu ainda estava colocando o botão”, lembra Rodrigo. “O mais louco é que o próprio Brown que desenhou a camiseta uma vez que estávamos na casa de um amigo nosso, pedi pra Dona Maria fazer, uma costureira do bairro. Ela me entregou no dia do show e foi só sucesso”.

O sucesso veio por conta da grande audiência e visibilidade que teve a apresentação do Racionais MCs na última edição do VMB da história da MTV Brasil. A premiação musical era uma das maiores do país e premiava os grandes nomes da música nacional. No dia seguinte após o VMB, a loja, que ainda era formada por poucos bonés e camisetas, recebeu centenas de ligações de pessoas querendo a camiseta que Mano Brown tinha usado na apresentação. “E cadê que tinha a bendita camiseta na loja? Mandei produzir às pressas com dinheiro que eu nem tinha”, comenta Rodrigo, com sorriso no rosto.

Flávia e seu filho Gustavo Reis, 18, filho do falecido Emerson Neguin

Podemos dizer que 2012 foi o ano da mudança em vários sentidos. Desde a apresentação do Racionais MCs no VMB até a entrada de Flávia na direção. E uma simples loja que servia pra galera se reunir pra resenhar, jogar vídeo game e bater papo, Flávia transformou o lugar em estabelecimento digno de brilhar os olhos. “Quando cheguei, eu disse que isso não pode acontecer, aí o pessoal entendeu a mudança de ritmo, começou a ter uma demanda maior. O pessoal de outras quebradas começou a vir atrás, foi aí que a loja deu uma crescida”. A mudança foi tanta que a loja mudou de local, continuou na mesma avenida, só que na outra calçada, num espaço maior e mais aconchegante.

“Depois do VMB, o Brown continuou usando. Na Virada Cultural de 2013 teve até bandeira da Vila Fundão no palco, e isso foi incrível, mas a galera associava muito a marca ao Racionais. Já chegaram a ligar na loja pedindo pra falar com o Brown, mas sempre deixamos claro que eram coisas separadas, mas sabemos que eles mostraram a marca pro mundo”, comenta Flávia sobre a galera achar que a marca era do Racionais MCs. A parceria com o grupo, e principalmente com Mano Brown, veio pelo fortalecimento da quebrada e da marca, e Mano Brown é como um padrinho para a Fundão Roupas.

Hoje não só apenas o rap está ligado à marca, o funk também se aproximou da Vila Fundão. MC Cassiano é uma das revelações do funk e além de ter parceria com a loja, escreveu um som falando sobre o bairro e as roupas. “Pra mim é gratificante, imagina um moleque do interior, novo, que já acompanhava a marca por fotos e vídeos ser parceiro dela”, conta o MC de 22 anos, cria de Araçatuba, interior de SP. “É pesado demais saber que o Racionais MC’s foram os primeiros artistas a usar os kits e hoje a gente do funk vem na bala, vamos pro baile com os kit, geral reconhece e cria aquela identidade né” afirma Cassiano.

O “F” feito com a mão representa a Vila Fundão

Rafael, responsável pelas entregas do correio e braço direito da Fundão Roupas

São 18 anos de marca e 16 anos de loja e a Fundão Roupas segue sendo uma das principais marcas de quebrada, isso tudo sem um especialista em moda. “A gente não tem alguém pra pensar no que tá em alta na moda. Fazemos na sorte e Deus na frente. Vemos alguma referência, criamos em cima e assim vai”, explica Flávia. As vendas não se baseiam tanto nos lançamentos e coleções, a galera da quebrada sente orgulho de usar roupas da marca. “Nem sempre foi assim, mas hoje o pessoal usa por carinho, quer mostrar que é da favela, tem orgulho de vir daqui”.

O sucesso da marca é tanto que pessoas de outras quebradas usam as roupas. Leandro Pazello, 24, morador de Itaquera é um exemplo disso. “Eu sempre via o Mano Brown usando os kit e achava daora. No dia que tive oportunidade de ir lá não pensei duas vezes, até comprei um pro meu filho”, comenta Leandro, que mesmo morando a 65km da loja, não deixou que a distância e tempo fosse um empecilho para ter uma peça da Vila Fundão.


Instalações das máquinas de produção de bonés

Equipamentos e materiais para lazer das crianças da comunidade

Estoque da loja

O desejo de Finado Neguin não era apenas fundar uma marca de roupas de quebrada, mas sim ajudar a molecada através dela, algo na pegada de uma ONG mesmo, com informática, escolinha de futebol na intenção de não deixar a molecada do bairro se envolver com o crime. Assim concretizou Flavia e Rodrigo. Hoje, a Fundão Roupas oferece curso de artes marciais para jovens e está ampliando o espaço do prédio para oferecer aulas de bateria para crianças e jovens da comunidade. As ampliações vão além do quesito social, mas para a parte empreendedora também. Hoje a marca fez adaptações no espaço para produzir seus próprios bonés. “Isso é a realização de um sonho, a gente só tinha um boné na prateleira, e agora vamos produzir os nossos na parte de cima da loja, ao lado do estoque”, diz Rodrigo, emocionado com a conquista.

A loja também vende produtos de tabacarias

Shoulder bag, touca, meias e chaveiros da Vila Fundão

Vivendo outra realidade com araras cheias e variedades de produtos, que vão de shoulder bags, meias e toucas, a Fundão Roupas certamente chegou a outros lugares, pra outras quebradas e até outros países. Eu mesmo já fui pro Uruguai trajando uma polo da Fundão. E você também já desejou alguma peça de uma das marcas mais respeitadas no Brasil? Não mosca e garanta a sua indo na loja ou através do site.

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