Entenda o caso da prisão do DJ Rennan da Penha
Atualização em 07 de novembro de 2019: o STF derrubou a prisão em 2ª instância e o DJ pode ser solto. Leia mais aqui.
Na última sexta-feira (22), a Justiça do Rio mandou prender o carioca DJ Rennan da Penha, um dos maiores personagens da música brasileira atual. De acordo com a decisão do desembargador Antônio Carlos Nascimento Amado, o músico seria olheiro do tráfico lá do Complexo da Penha. O mandado de prisão contra o DJ parece apenas mais um passo para acabar com o Baile da Gaiola, idealizado por ele, e para criminalizar o funk.
A Justiça emitiu um mandado de prisão contra o DJ em 2016, e ele foi absolvido em primeira instância por falta de provas, mas na 2ª instância, que aconteceu semana passada, a Justiça mandou prender o DJ. Como até agora o mandado de prisão não foi expedido, ainda não há uma data certa para que Rennan se apresente à Justiça, isso não o torna foragido, já que ele e a defesa vão colaborar com a Justiça.
*Foto por: Jeferson Delgado // Portal KondZilla
O primeiro motivo para mandar Rennan para a prisão seria que o DJ atua como olheiro. Segundo a polícia, o DJ avisava o pessoal da Penha quando policiais estavam subindo o morro. As provas “oficiais” disso seriam mensagens no Whatsapp. O problema é que essa é uma prática muito comum entre moradores da periferia por causa da truculência que é esse tipo de operação. O segundo motivo seria de que as músicas do DJ fazem apologia ao uso de drogas e o Baile da Penha seria uma espécie de “armadilha” pra atrair mais pessoas pra consumir as drogas do tráfico do Alemão.
Se formos levar em consideração a Lei 5.543/09, que define o funk como um movimento cultural e musical de caráter popular, acabar com o Baile da Penha iria de contra dois de seus artigos: um deles diz que o poder público tem que assegurar a realização das manifestações que envolvem o funk, ou seja, os bailes estão inclusos e acabar com eles é um ato anticonstitucional. Outro artigo da mesma lei ainda proíbe a discriminação contra o funk e seus personagens.
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Governo
Desde a virada do ano, o Governo vem caindo em cima dos bailes funks, principalmente no Baile da Gaiola. Em fevereiro, uma operação para acabar com o Baile resultou em quatro feridos, e na madrugada do dia 11 de março, a polícia realizou novas operações na Penha e no Complexo do Alemão com o mesmo propósito, justificando que o fluxo era patrocinado pelo tráfico de drogas.
Também vale ressaltar que além do baile funk ser uma expressão cultural, ainda é importante dizer que esse é o tipo de lazer na periferia. Dá pra contar nos dedos quantas Fábricas de Cultura, cinemas ou centros culturais o Estado se preocupa em criar nas quebradas. O baile de rua é um das poucas (pra não dizer única) opções culturais para a população das quebradas. Além de ser uma manifestação cultural, a festa ainda é responsável por movimentar a economia nos morros. Só o Baile da Gaiola reúne cerca de 20 mil pessoas por edição e quem ganha com isso são os comerciantes locais, que pagam o baile. Não se sabe ao certo quanto os bares e lanchonetes locais colados ao fluxo faturam por mês, mas se levarmos em consideração a reportagem “O fluxo do fluxo” que analisa o comércio do baile da DZ7, com cerca de 5 mil pessoas por edição, o rendimento mensal dos bares locais é de R$ 5 mil. No Baile da Gaiola deve ser ainda mais rentável para a comunidade da Penha.
*Foto por: Jeferson Delgado // Portal KondZilla
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Habeas Corpus negado
Ainda nessa semana, o Supremo Tribunal Federal negou o pedido de habeas corpus (ação judicial que dá direito de liberdade de locomoção dos indivíduos, ou seja, ela serve pra prevenir uma restrição ilegal) de Rennan da Penha, alegando que a prisão do DJ é constitucional.
Para um dos advogados do DJ, Fabrício Gaspar, a segunda instância é absurda. “A decisão em 2ª instância se aproveita de provas imprestáveis para condenar Rennan, e além de condenar, ainda prevê uma pena acima do mínimo legal, que no caso dele, que é réu primário, seria a menor possível”.
Para a defesa, a acusação ainda é carregada de preconceito. “Batemos nessa tecla do preconceito por causa da origem dele e ao tipo de arte que ele dissemina na sociedade: a arte musical da favela, o grito dos pobres e da periferia”, explica. “Por que é preconceito? Porque ele foi absolvido pela juíza que olhou nos olhos dele durante a interrogação, que ouviu a as testemunhas da acusação que o Ministério Público apresentou. A juíza da primeira instância o inocentou com base na falta de provas e o promotor, insatisfeito, recorreu. Na 2ª instância, os desembargadores não escutam nenhuma parte nem as testemunhas, e aí entra o preconceito. O Rennan é negro, funkeiro e vem do Complexo do Alemão, uma região que sabemos que tem vários problemas de segurança. Os desembargadores levaram isso em consideração para condenarem ele”, conclui o advogado.
Depois de ser apresentado à Justiça, a defesa de Rennan vai insistir no habeas corpus pra levar a decisão pro colegiado (quando uma ação é julgada por dois ou três membros do Tribunal de Justiça), e apresentar outro HC pedindo a alteração da pena.
Nesta última terça-feira, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Rio de Janeiro soltou uma nota em repúdio ao caso, alegando que projetos de criminalização contra alguma manifestação artística acontecem por conta da cor da pele e classe social de seus autores, como aconteceu com o samba e com o rap.
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Relação Funk e Justiça
Essa não é a primeira vez que a Justiça encrencou com o funk, e provavelmente não vai ser a última. Em 2017, criaram um projeto de criminalização ao funk, que levou mais de 20 mil votos a favor. Quem enterrou a proposta foi o senador Romário, depois de uma série de protestos de artistas. Além deste caso, Rennan da Penha não foi o único funkeiro perseguido. Antes dele, MC Tikcão, MC Smith e Rômulo Costa também foram perseguidos pela Justiça.
Por isso que levando em conta as operações para fechar o Baile da Gaiola e os MCs que foram perseguidos no passado, o caso do DJ Rennan da Penha não é algo isolado, e sim uma prática com um objetivo maior: criminalizar o funk. O funk é a cultura viva deste país e não serve apenas para ser comercializado. O gênero é uma manifestação cultural que traz esperança para as pessoas que são constantemente marginalizadas pelo Estado e encontram na arte, uma forma de sobreviver e trazer sustento para sua família e comunidade.
O Funk não é crime, o Funk é Cultura.