As danças que marcaram o movimento funk
A música e a dança sempre estiverem muito próximas, e isso não seria diferente com o baile funk. Isso acontece desde os primórdios, com os bailes no asfalto e os passinhos coreografados (flash mobs, alguns podem dizer) do Rio de Janeiro, até os tempos atuais, com as sarradas e o passinho dos malocas, que dominam as periferias de São Paulo. Para entender mais sobre essa parte da cultura, o Portal KondZilla conta um pouco mais dessa ligação e traça um paralelo entre os movimentos.
Podemos dizer que as leituras sobre a dança no funk começaram lá na da década de 80, quando a música americana chegava no Rio de Janeiro ainda como funk do James Brown. O tempo foi passando, e no final da década de 80 começaram a chegar no Rio de Janeiro discos com um ritmo diferente, influenciados pelo hip-hop americano e também pelo ritmo da Flórida, o Miami Bass.
A música de Miami era produzida na bateria Rolland 808 – como falamos nessa matéria – e os bailes cariocas da época reuniam bastante gente para dançar o novo som. O que não rolou foi atualizar o nome de ‘funk’ para hip-hop, mas essa história fica pra outro dia. Voltando à dança, os passos do novo som eram muito simples em comparação com o que vemos hoje. À época, inclusive, existiam muitos passos coreografados em grupo, onde a galera toda do baile dançava em passos sincronizados.
“Era algo totalmente espontâneo, e todo o baile seguia a coreografia. Lembro de uma música em específico – ‘Heartbeat’, do grupo ‘War’ -, que a galera chama de ‘Melô do vai e vem’ e fazia uma coreografia de vai e vem mesmo, era algo em massa”, explica o DJ GrandMaster Raphael, um dos especialistas no assunto “funk carioca”.
O tempo foi passando e o funk foi ganhando proporções enormes no Rio de Janeiro. Já nos anos 90, por conta de incidentes violentos e registros de brigas nos bailes funks que aconteciam em casas noturnas localizadas no centro do Rio (conhecido como “asfalto”), o movimento acabou reprimido pelas autoridades cariocas da época e retornou a comunidade.
Como disse GrandMaster Raphael, “o funk subiu o morro”. E nessa época, ainda de acordo com GrandMaster, o funk carioca dava vida ao ‘tamborzão’, a primeira batida nacionalmente produzida pelos cariocas e um dos maiores símbolos da vertente. A nova batida ajudou a dar mais ritmo pro movimento, o que também melhorou a dança. Com a popularização da batida, o funk chegou a ocupar lugares como programas de TV e começaram a surgir os primeiros grandes nomes da vertente, junto das primeiras danças exclusivas do funk. Ou melhor, os passinhos.
Dynho Alves – Passinho dos Maloqueiros
Nesse trânsito da música, começaram a surgir também os primeiros bondes que eram especializados em dança, como o grupo “Bonde dos Carrascos” e o “Bonde do Vinho”. Entre os principais grupos, o “Bonde do Tigrão” ficou nacionalmente conhecido com as músicas “Cerol na Mão” e “O Baile Todo”.
Esse bondes abriram caminho para o grupo “Os Hawaianos”, que se tornaria o principal grupo de dança no funk e referência para diversos MCs – como o MC 2K, por exemplo, que confessou ao Portal KondZilla que tinha o sonho de ser dançarino, graças ao grupo carioca. Mesclando passinhos complexos e danças que arrastavam multidões, “Os Hawaianos” marcaram presença não só no Rio de Janeiro, como no movimento de um modo geral.
“Nós brincávamos de dançar nos bailes da Cidade de Deus e, certo dia, decidimos levar a coisa mais a sério. Lá em meados de 2004, fizemos as músicas “Vem Quicando” e “Dança do Bonequinho”, que viraram febre na comunidade. Depois disso, fomos convidados para um programa da Globo e fizemos turnê pela Europa. São coisas que dão orgulho”, conta Yuri, um dos fundadores do grupo e único remanescente.
A febre do passinho dominava o Brasil, ganhando no Rio de Janeiro o apelido de “passinho foda”. Montagens dançantes, muitas vezes sem letra, apenas com aquele ponto embrazado que faziam que desde crianças (até o tiozão) dançassem livremente, sem precisar seguir uma regra ou coreografia – diferente do que acontecia nos bailes dos anos 80. Agora era só mexer o corpo da forma que você quisesse. O sucesso do passinho era tão grande, que foram criadas competições de passinho por todo o Rio de Janeiro.
No final dos anos 2000, o funk começava a chegar com força na capital São Paulo, ganhando características próprias. Antes importado do próprio Rio de Janeiro e da Baixada Santista, o funk paulistano assimilou o movimento e criou uma cara própria, a cara da ostentação.
Ficou difícil dançar com letras falando de carros, dinheiro, mulher e uma batida mais retraída. Porém, São Paulo precisava de uma identidade na dança e, graças ao intercâmbio com o Rio de Janeiro, essa identidade veio com o passinho do romano, lá em meados de 2012. Um dos destaques desse movimento é o Fezinho Patatty (já falamos dele aqui).
“No que toca às conexões entre passinho do romano e passinho foda, penso que elas podem ser vistas não somente nos movimentos corporais, mas sobretudo em um estilo englobante, que cativa os jovens que o criaram. Em ambas as danças vemos o elemento de deboche, de ironia e mais ainda de jocosidade, de querer provocar o riso”. Essa fala é da sociólogo e antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mylene Mizrahi, que já produziu trabalhos premiados sobre funk e suas relações com a dança.
E como a evolução da dança no mundo do funk é quase diária, já temos o novo passinho do momento: o paulistano ‘Passinho dos Malocas’. Mais fácil do que seu “primo” – o Passinho do Romano – , a nova dança do momento é focada no deslocamento dos ombros e exige pouco molejo, o que ajuda a galera mais durona.
“O que ocorre é que a dança funk, assim como o próprio funk, resulta de apropriações sucessivas, de leituras e releituras como se cada inovação fizesse um comentário sobre aquilo sobre o que se inova. Ou seja, essas inovações produzem o novo, sem contudo produzir uma ruptura com o passado”, completa Mizrahi.
Muita gente já sabe que o funk é uma verdadeira ‘roda gigante’, e as mudanças são quase diárias. E a dança, como um dos elementos do ritmo, não seria diferente. Agora fica a dúvida: qual será a próxima dança do momento?