Comportamento

Conheça quatro mulheres que estão no toque da arte dos toca discos

19.04.2021 | Por: Rayne Oliveira

No começo deste ano de 2021, Alana Leguth, sócia-diretora da produtora, lançou o  projeto HERvolution, onde tem como objetivo, trazer visibilidade para mulheres de todas as áreas, sejam elas: produtoras, marketeiras, artistas, diretoras e entre outras. Partindo dessa ideia, nós do Portal Kondzilla, trouxemos 4 DJs incríveis para falar sobre suas  carreiras e o que é ser mulher nesse meio artístico e musical. 

Antes de falarmos sobre as mulheres na cena musical, é importante contextualizarmos o Brasil dos anos 80, 90 e 2000. Com uma alta taxa de desemprego e inflação, as músicas durante esses anos surgiram como forma de posicionamento,  relato e denúncia social do que estava rolando com o país. Em São Paulo, nós tivemos a forte presença do rap, com o surgimento de grupos como Racionais Mc’s, T$G, Facção Central, RZO tendo Negra Li como uma das integrantes, SNJ algum tempo depois com Cristiane e claro um pouco mais para os anos 2000, Viviane vulgo Dina Di, que até hoje  é referência para toda mina que curte um hip hop.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, o funk carioca surge em 1989, trazendo uma quebra do mito da democracia racial. Os dois gêneros, por mais que por conta de territorialidade sejam diferentes, tem o mesmo ponto de partida: periferias. 

Conheça quatro mulheres que estão no toque da arte dos toca discos:

DJ Tati Laser  

“Meus pais se conheceram em um campeonato de samba rock e meu pai era DJ. Fui muito influenciada pela música, mas nunca passou na minha cabeça trabalhar com isso. Comecei a faculdade de moda, mas precisei trancar para ajudar minha mãe em casa,  durante esse processo, parecia que tudo que eu gostava estava se perdendo com o  tempo”, relembra Tatiane da Silva, 40 anos, moradora de Osasco, Zona Oeste de São Paulo.

Como naquela época ainda não tinha internet, Tati conta que para se distrair dos problemas do dia a dia, frequentava os bailes para escutar um som, quando chegava nos lugares, ficava fascinada com os discos e sentia como a música poderia despertar tantos sentimentos. “Naquela época nós tínhamos que ir até o baile para escutar a  música, saber qual era o som que estava rolando naquele momento”, disse.

Ainda quando nova, os amigos montaram um grupo de rap e pediram para ela ser a back vocal, mas chegando na hora do teste, Tati viu que não era aquilo que queria, mesmo não participando do grupo, acompanhava os seus amigos e assim conseguiu uma proximidade com o DJ que tocava com seus parceiros. Durante essa época não era comum ver mulheres nesse meio, por mais que o rap fosse abraçado tanto por manos e minas, ainda assim os homens sentiam um forte poder sobre o gênero. 

“Eu poderia estar com medo, mas na frente deles eu não podia demonstrar isso”, enfatiza Tati. Sendo mulher, preta e periférica, ela sentiu muito mais dificuldade de chegar e ter seu espaço, como precisava ajudar em casa, o dinheiro não rendia para comprar os equipamentos que até então não tinham um valor acessível, com apoio de alguns amigos, realizavam os treinos nas casas dos quais tinham equipamentos para te ajudar.

Somente em 2006, aos 26 anos, Tati tomou a profissão para si, após encontrar o Kl Jay, que viu que a jovem e suas duas amigas, Vivian e Juju, realmente sentiam gosto pela arte dos toca discos. Kl Jay convidou as três para tocarem em um baile onde ele comandava, dando  incentivo, mas deixando claro que a responsabilidade estava somente na mão das três,  com isso surgiu “ as mina pá.”

No começo da carreira, sua mãe pensava que era somente hobbie, mas Tati aos poucos  foi mostrando que não estava para brincadeira e quando viu se passou três anos entre o trabalho fixo e a vida de DJ. Entre 2011 e 2014 dedicou-se inteiramente à carreira, em 2015 começou a desenvolver projetos tantos pessoais, quanto os que foram convidados, como por exemplo as oficinas que o Sesc oferece, onde participou como professora.  

DJ Ingrid Nepomuceno 

Ingrid Nepomuceno foi criada em Mesquita, Rio de Janeiro, até os 16 anos e hoje – aos 24 – é moradora da Tijuca. Quando pequena, ela lembra que por seu pai ser camelô e vender  CD’s, dentro de casa tinha uma duplicadora, então colecionava muitos discos. “Na periferia não tem escolha se a música vai ou não fazer parte da sua vida, ela está ali o tempo inteiro, o vizinho do lado com o som alto, na esquina rolando um outro gênero e por aí vai”, comenta.

Fascinada por música, Ingrid era uma daquelas adolescentes que adorava baixar música e organizar por humor, gênero e etc. Com o intuito de ser organizadora de shows, entrou para faculdade aos 16 anos em produção cultural na Universidade Federal Fluminense. Entre uma festa ou outra, seja nos roles do campus ou na sociais dos amigos, Ingrid sempre ficava encarregada de cuidar da playlist que iria tocar no role.

No começo tinha  um parceiro que a acompanhava nessas loucuras, mas depois o rapaz precisou sair de cena, mas Ingrid continuou, mostrando que o show nunca acaba. O que no começo era somente por diversão, aos poucos foi chamando atenção da jovem. Em 2015, no Complexo da Maré, rolou um evento chamado “Amaréfunk” onde teria oficinas e mesas  de debate voltados para a cena musical carioca. Ingrid participou da oficina de DJ, com grandes nomes como: DJ Chico Abreu e Mouchoque. 

Ingrid relata que o ano que marcou sua carreira profissional foi o de 2015, quando Mouchoque convidou a aluna para tocar em uma festa no qual ele era o organizador. Ainda em 2015, a DJ já estava começando a ter seu espaço e tocou pela primeira na “Recalcada”, onde atualmente tem 6 anos de residência. 

Assim como Tati, Ingrid conta que os equipamentos eram caros demais e precisava se desdobrar entre as agendas de shows e o trabalho fixo. Com o apoio da mãe, que sempre foi uma grande parceira e seu produtor, a artista decidiu em 2018 se dedicar  profissionalmente à carreira. 

“Minha primeira referência de mulher tocando funk, foi a DJ Grazi. Dentro do funk rola  muito essa objetificação do corpo da mulher, quando surgem mulheres falando sobre o  mesmo assunto, mas do seu ponto de vista, por mais que isso influencia a maneira como  serão vistas, esse empoderamento traz um certo controle”, comenta a DJ, sobre suas escolhas de repertório e o impacto de ser mulher e está nessa cena.  

O assunto da mulher e o funk tem levantado pautas importantes, como por exemplo o  empoderamento que isso traz para aquelas que curtem o gênero, tanto que recentemente, em seu trabalho de conclusão de curso, Tamiris Coutinho, escreveu: “Cai de boca no  meu bucetão: o funk como potência de empoderamento feminino.”

Ingrid fica responsável por toda a curadoria musical, que também é feminina, trazendo assim um olhar e cuidado com o que vai ser tocado, o que faz com que até mesmo as meninas que estão ouvindo se questionem sobre o que está sendo retratado na letra: “ Eu lembro de uma recalcada que estava fazendo e coloquei uma música que eu curtia demais, mas ali em cima do palco eu vi que a música estava tratando de um estupro, na  hora eu peguei o microfone e falei que aquilo estava errado e troquei rapidão o som,  mas consegui conscientizar de uma forma rápida o que estava falando ali e segue o baile.” 

Vale a pena destacar que através dessas músicas que trazem uma apologia, nós – mulheres – conseguimos fazer uma análise da sociedade no qual vivemos, como o machismo e a cultura do estupro que estão enraizados e até mesmo 10x mais fortes dentro das comunidades, com isso conseguimos fazer diversos recortes e levantarmos temas como: violência doméstica, a rápida objetificação de corpos de meninas ainda menores de idade e a fácil vulnerabilidade social que sofrem até a fase adulta, fazendo com que se relacionem com parceiros que vendem a ideia de oferecer uma vida melhor e que muita das vezes engravidam cedo e são abandonadas.  

DJ Dayeh 

DJ, cientista social e atualmente estudante de pós graduação, Maria Gabriela Toledo, 22 anos, moradora da Zona Sul de São Paulo, desde pequena esteve envolvida indiretamente com a cultura do Hip Hop, mesmo com o pai envolvido na arte do grafite, Dayeh não se imaginava como DJ. Tendo como influencia musical o Rap e Funk, sempre teve uma curiosidade muito grande sobre a produção musical, foi quando através de uma oficina no Sesc, teve seu  primeiro contato com a arte dos tocas discos, tendo aula juntamente com o DJ Erryg.  

Gabriela sabia e ainda sabe que ser DJ é um compromisso, assim como Sabotagem sempre falou: “O Rap é compromisso, não é viajem.” A jovem tomou isso como verdade e ensinamento, teve a honra de aprender com grandes nomes como B8 do projeto nave. Entre altos e baixos, encontrou na música sua terapia.  

O que pode ser notado entre todas elas, é a necessidade de sempre conciliar seus trabalhos fixos e suas carreiras como DJ’s. No ano de 2018 começou a trabalhar no Almanaque Urbano, bar localizado no Largo da Batata. “Eu precisava conciliar tudo, trabalho e faculdade. Ali no Almanaque tive a oportunidade de conhecer muita gente. Logo quando comecei a tocar fiz um show na Zona Leste,  depois conversei com os donos do bar e pedi para tocar e recebi muito apoio”, lembra a DJ ao comentar sobre seu início.  

Transitando entre o Rap de mensagem e o funk, Dayeh produziu um set só com as relíquias do funk, trazendo grandes nomes do funk ostentação, que tomou uma grande proporção, principalmente na Era Lula, onde o jovem de periferia conseguia comprar um celular ou tênis de mil reais, parcelar e  ostentar aquilo. Logo em seguida, sentindo uma falta de presença feminina no meio, produziu um set só com as mina. Assim como Ingrid, Dayeh conta que esse set tem o intuito de trazer visibilidade e  ser levantado novamente a pauta da mulher nesse meio: “Quando fiz esse set, deixei claro que o  intuito não era o feminismo em si, porque até então as músicas trazem uma objetificação corporal,  mas sim mostrar que as minas também podem e cantam sacanagem, porque é difícil ver homens  tocando as minas do funk.” 

DJ Sophia  

Chamada por sua avó de “pequena estrela”, Sophia Lima, 20 anos, moradora do Centro de São Paulo  desde sua adolescência ocupa espaços inimagináveis para uma mulher, seja no extremo Sul ou extremo Leste, a paulistana sentiu e sente uma forte conexão com a rua, aliás foi entre sarais e eventos culturais que descobriu a paixão pela arte dos toca discos. Conheceu o Rap através do seu  irmão mais velho e seus tios do Capão Redondo, junto com sua tia, conheceu toda a referência da cena musical.  

Através da oficina futuro do Hip Hop, Sophia teve seu primeiro contato com os DJ’s onde fez aulas. “Os cursos eram muito caros, os equipamentos nem se fala, então como eu sempre estava envolvida em oficinas e centros culturas, participei, mas no começo era como um hobbie. Através desse curso  eu tive aula com a Vivian, amiga da DJ Tati Laser. Um dia a Vivian me chamou para uma apresentação  no SESC e começou a me envolver em projetos”, relata ela. 

Após um ano trabalhando com administração e estudando, Sophia se sentiu confiante o suficiente para se dedicar somente a carreira de DJ, mas conta que não foi nada fácil: “Um dia eu estava em um  evento, chegou um cara do nada e perguntou qual era o álbum do Jay-z que ele tinha feito tal feat,  cara, eu tinha 16 anos, na hora gelei, mas depois entendi que aquelas perguntas não me definiam, eu  estava aprendendo e não tinha obrigação nenhuma de provar nada.”  

Hoje por mais que a pandemia nos cause uma insegurança e muita das vezes bloqueio criativo, Sophia sabe bem como utilizar a rede social a seu favor, sempre trazendo suas referências, fazendo reels com looks já que tem esse lado apaixonado por moda e algo que é bem presente no Hip Hop essa questão estética. 

Além de DJ, Sophi fez um curso de audiovisual no Instituto Criar, e está na reta final do seu filme “4×4”  que conta a história de 4 amigas, cada uma de uma zona de São Paulo e com o sonho de viver de música, além disso, se aventurou até mesmo na escrita, onde participou de uma das edições da Revista Vaidapé.  

Dificuldades enfrentadas 

Assim como toda área que a mulher deseja ingressar, sempre tem algo que impede ou desmotiva e é nessas horas que não podemos baixar a cabeça.  “Os técnicos de som é sempre os mais difíceis, você montou todo seu equipamento e mesmo assim  sempre tem algum que quer mexer ou te ensinar o que você estudou e sabe”, afirma Gabriela.  

Enquanto Sophia foi questionada e muita das vezes subestimada, recentemente um de seus vídeos saiu em uma página, onde leu o seguinte comentário: “Essa DJ precisa aprender mais.” Algumas  semanas depois Sophia deu aquela aula em seu Instagram ensinando a técnica do Turtanblis, se liga: 

Por outro lado, Ingrid conta sobre os assédios e a diferença de cachê entre homens e mulheres: “Tive e ainda tenho muito amigos que me apoiam e inclusive é os contratantes que nos dão a oportunidade,  mas alguns confundem as coisas, pensam que dar em cima de você está incluso no cachê.”  

Motivos para continuar acreditando e lutando 

Para as minas que curtam a produção musical, as DJ’s tem uma visão para passar: 

DJ Tati: “Você precisa amar isso, precisa fazer disso a sua vida. Ser curiosa, questionar, estar envolvida  em projetos, oficinais e persistir, acreditar de fato no seu sonho e ter foco.”  

DJ Ingrid: “Não desistir, continuar ali acreditando o tempo inteiro e não ter medo, encarar de frente e só ir!” 

DJ Dayeh: “Primeiro não se assustar com o preço dos equipamentos, não ter medo, nem vergonha e  ter uma rede de pessoas que confie no seu processo.”  

DJ Sophia: “Esteja marcando presença, sempre participe de tudo e esteja com pessoas que te  potencializem, procure as DJ’s que você gosta, chama no Instagram, eu posso garantir que ninguém  vai recusar passar conhecimento.”  

A arte dos toca discos ser popularizada, assim como um violão, baixo, piano, ainda é um sonho, mas tem muita gente se esforçando e empenhando para essa cena evoluir!

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