“As pessoas acham que surdos não podem curtir o funk”; conheça Beatriz Silva, funkeira nata e dançarina de passinho
O funk é um movimento cultural perseguido e criminalizado, mas ele também é um dos movimento que abraça geral. Pode reparar que sempre surge uma galera ou algum coletivo que vem pra ajudar a desmistificar a imagem que a sociedade tem do funk.
Não é à toa que tenham aparecido projetos como o Helipa LGBT e páginas como a Funkeiros Cults. O funk junta todo mundo e não por acaso, ele acolheu Beatriz Silva, 18, uma jovem surda que curte funk desde os 12 anos.
Cria de Perus, Beatriz Silva perdeu a audição com três anos. Os professores da creche perceberam que ela não atendia quando eles a chamavam, e a partir disso, ela precisou se adaptar com a linguagem de libras. Porém, isso nunca a impediu de fazer nada. Achar que uma pessoa com alguma deficiência é incapaz é, inclusive, capacitismo: o preconceito de achar que pessoas com deficiência são inferiores ou incapazes de viver a vida.
Como a deficiência auditiva não a impediu de viver, também não a impediu de curtir um bom baile. Desde os 12 anos, Beatriz se descobriu como amante e sua vertente favorita atualmente é o funk rave. Esse gênero mistura as batidas da música eletrônica com o funk, e Bea consegue sentir a batida mudando pelo corpo. Tipo quando a gente tá na frente do paredão e consegue sentir a música batendo dentro da gente, saca?
Quem acompanhava Bia nos bailes antes da pandemia é o irmão Wesley Reis, 20, morador de Paraisópolis, zona sul de SP, e frequentador do Baile do Bega e da Dz7. Além dele, Bia também tem um amigo, Lucas Santos, que perdeu a audição aos sete anos e que também é viciado em funk.
Aos 12 anos, com apoio do irmão Wesley e da mãe Eliete Reis, 45, Bia participou do Concurso do Passinho do Romano, de Perus e região. Expressar as sensações da música no movimento do corpo tem sido um exercício e o lazer da Bia em seu dia a dia. “O funk está presente em todos os momentos da minha rotina, desde quando acordo, aos afazeres de casa, é o ritmo que me acompanha”, comenta.
Beatriz e o irmão se divertem em casa, mandando os passinhos. Já que não podem sair para os bailes, eles improvisam com o som que tem. É ao som do Beat do Magrão que eles vão colecionando coreografias para a volta dos bailes, que tanto esperam.
Depois que Bia conheceu o funk, o gênero musical nunca mais se desprendeu da sua vida. Um dos jets que ela mais sente falta é o baile funk, principalmente a Dz7 e o Bega, em Paraisópolis, onde colava com o irmão. Para além da curtição, há também os obstáculos para se enfrentar, como a discriminação que a persegue em muitos espaços, e no baile funk ele também está presente.
“As pessoas acham que surdos não podem curtir o funk, acham que nós somos burros e que não sentimos nada, quando ocupamos esses espaços e ritmo”, compartilha.
Ela acrescenta que seus amigos surdos sentem muita vontade de ir ao baile, mas os pais sentem medo de deixá-los ir se divertir por medo da violência policial, e criminalização do baile, que reforça esse breque que seus amigos passam. “Os pais sentem medo da polícia chegar e não saber se comunicar com os surdos”.
Bia conta como o baile é um lugar importante de lazer pra ela, porque sente os graves das músicas, vibrações que começa em seus pés até passar por todo o seu corpo, além de observar o movimento das outras pessoas, por isso ela gosta tanto e defende que seus amigos também se sintam seguros e acolhidos para frequentar. Quando os corpos param de se movimentar, ela também para, entendendo que a música pausou por instantes. “Gosto muito de mandar o passinho, e entro na frequência da dança quando vejo os movimentos das pessoas”, comenta.
Wesley já ouviu muitas críticas em relação a irmã no baile, mas ele diz que não se importa com as opiniões das pessoas, “Desde que ela ficou surda, eu sempre soube que teríamos que enfrentar esse preconceito”. Com a vivência e o cuidado com a irmã, Wesley desenrolou a linguagem de sinais.
No Brasil 10,7 milhões de pessoas têm deficiência auditiva, de acordo com o estudo realizado pelo Instituto Locomotiva e Semana da Acessibilidade Surda, considerando que existem diferentes graus de surdez. Do total, 2,3 milhões têm deficiência absoluta, sendo 54% homens e 46% mulheres.
A Pandemia brecou os bailes, mas o funk continua em casa
Com a vinda da pandemia, o rolê teve que ser ressignificado. “Estou com saudades dos bailes, de observar as pessoas e de sentir a música dos paredões, mas enquanto essa fase não passa, me divirto em casa”, comenta.
Quando chega nos finais de semana, é dia de rolê na sala de casa com seu irmão e com seu amigo, Lucas. Eles se arrumam, ficam chavosos, colocam a famosa Juliet, ligam o som no volume máximo, usam narguilé, e dançam ao som da música “Malemolência”, do ídolo Dynho Alves.
São com vibrações, e com o apoio da mãe, irmão e da companhia do amigo Lucas que Bia segue mandando seus passinhos, ao som do funk, e segue lutando para que a diversidade esteja em todos os lugares, principalmente nos seus espaços de lazer, que ela entende como um espaço de acolhimento.