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Jovens relatam a violência nos bailes funk

15.11.2019 | Por: Fernanda Souza

A violência policial não é nenhuma novidade nas favelas de todo o país, basta dar um google pra sacar um pouco mais do dia a dia de muita gente. O papo desse texto é específico sobre a violência em cima da cultura funk, que começa na discriminação das pessoas por não entender a expressão cultural do movimento até o abuso físico e mental que as autoridades prestam aos jovens de comunidade. A gente sempre exalta, mostra e afirma positivamente aqui no Portal KondZilla o funk, mas hoje vamos falar da truculência que ainda é comum nos bailes. Cola aqui que vou desenrolar umas ideias com vocês.

Atirando, tacando bomba, rindo, furando pneu de moto, até mesmo tomando celular, é assim que a polícia chega nos bailes. Normalmente, quem frequenta fluxo de rua sabe que pode ter uma noite embrazando com seus parceiros, mas na hora de voltar pra casa depois de tirar um lazer na sua comunidade você pode voltar de boas ou correndo no meio da madrugada porque a polícia chegou daquele jeito.

Mas por que acontece isso nos bailes e fluxos de rua? Na comunidade, esses eventos é o lazer que rola na periferia. Se você perguntar pra qualquer jovem de quebrada que frequenta um baile, sem dúvida, ele vai te dizer que não tem medo de estar lá porque ele mora lá, se articula na quebrada, ou seja, não teriam motivos pra ter medo de se divertir no lugar em que ele se sente bem. O que a gente tem medo é do desconhecido, que vem na calada da noite. O medo é a invasão policial que nem sempre está lá porque quer acabar com o baile.

Pode ter problemáticas? Pode e tem. Mas o que tem sido feito pela cultura, lazer e mobilidade pelas comunidades? A questão não é dialogada, não é dado o lugar de fala pra quem consegue dialogar. Mas sim, discriminar e invadir. O assunto de baile é complexo, mas não é o papo de agora, porque o assunto é violência e preparo dentro desses espaços.

Histórias e Relatos

Vou começar com a história mais recente, que deixou geral do movimento novamente de cara. Gabriella Talhaferro tem 16 anos e saiu de casa sábado, 9, com a ideia de curtir um baile do Beira Rio na região de Guaianazes, extremo leste de São Paulo. Porém, na madrugada, dia 10, perdeu a visão e passou a ter muito medo da polícia.


Acervo pessoal da Gabi. Foto do dia 09, antes do baile.

Não teve como não se emocionar trocando um papo com a Gabi, pois o que ela descreve é o que muitas pessoas costumam fazer. Dar aquela ligação para os parceiros, colocar a melhor roupa, comprar aquele combo e ir pro baile dançar e curtir com os aliados. “Eu estava em casa de boa, daí meu amigo me chamou e eu toda feliz contando para os moleques que ia pro baile. Depois, encontrando os parceiros na estação’’, comenta Gabi.

Segundo ela, eles chegaram na rua do baile, a qual não fica longe da estação de trem, e foram avisados de que o fluxo não iria acontecer por conta da presença da PM. Porém, não dava para ir embora porque o trem não estava mais circulando. Ela e alguns amigos são de Itaquaquecetuba, bem como muita gente que vai para as festas de rua na comunidade, de outras partes da Grande São Paulo.

Sem ter como ir embora, muita gente simplesmente ficou lá parada, mesmo sem som. Lá por volta das 2h da manhã, como ela relata, a PM invadiu a rua com tudo. “Geral estava lá parado na rua do baile, ninguém estava tumultuando. Jogaram as primeiras bombas, geral correndo. Mas não tinha pra onde ir. Voltaram no ódio, jogando bomba”, acrescenta.

A história fica revoltante a partir daqui. Por conta da dispersão, ela e mais um amigo se perderam de seus parceiros. Assim, decidiram atravessar a rua e ficar em frente de uma adega na avenida, que nem era na rua do baile. “Quando ficou tudo vazio, não tinha quase mais ninguém na rua, a gente nem estava na rua do baile, tava tipo na avenida. Os policiais vieram e jogaram uma bomba do nosso lado. Qual a necessidade jogar uma bomba em duas pessoas?’’, conta.

“Eu disse pro Biel correr. Eu vi a viatura passar do meu lado e ouvi o disparo. Na hora não senti nada, só dormência. Coloquei a mão e vi tudo ensanguentado. Sentei numa escada, geral do baile foi ver como eu estava”. Sem sensacionalismo, a ideia é fazer com que as pessoas entendam como é sem pudor e sem consciência a ação policial na periferia.

Para piorar, foram pedir ajuda para os policiais, que segundo a jovem negaram ajuda e ficaram rindo dela. “O mais foda é que eu vi quem atirou. Quando pedi ajuda, eles ficaram rindo. Se eu estivesse na muvuca era mais fácil de aceitar isso, porque não dava para saber de onde veio. Mas eu estava parada, miraram em mim e atiraram por maldade, como fazem com vários”, conclui seu relato do momento.


Acervo pessoal da Gabi. Foto do dia 10, depois do baile e do ato da polícia

Nesse mesmo baile estava Gabriel* (por questão de segurança não será identificado) que trocou uma ideia comigo do ocorrido nesse baile. Ele comentou o fato de não poder sair para tirar um lazer nem onde mora porque os policiais não querem nem saber quem são as pessoas, achando que todo mundo é bandido. Chegam tacando bomba ou batendo em criança, mulher grávida, tumultuando dentro dos comércios, que inclusive tiram sustento do baile.

“Não só foi ela que tomou tiro porque eu também vi umas feridas no baile. Parece exagero, mas eles vem pra derrubar todo mundo que tiver lá. Se for pra atropelar, atropela. Eles jogaram o carro pra cima de multidão. Eu acho que eles tão fazendo isso errado, né? Não deveria chegar dessa maneira.’’, relato e opinião de Gabriel.


Print retirado da internet

A opinião popular só reforça que não estamos cobrando quem deveríamos cobrar. Gabriella passou por horas de desespero já que não foi atendida na UPA de Itaquera e depois no hospital público de Ermerlino Matarazzo por falta de médico da área. De acordo com ela, somente foi atendida às 6h no Hospital São Paulo na Vila Mariana. Agora, por falta de preparo da segurança pública e falta de humanidade, a jovem que estava no primeiro ano do Ensino médio e trampava como manicure perdeu a visão.


Imagem retirada do texto ‘’Documento secreto: PM viola normas de uso para bala de borracha’’

Conversei ainda com Rayne*, de 24 anos, uma jovem que mora na Zona Norte de São Paulo, a qual pediu para não ser identificada, sobre a violência nos baile que já presenciou. Ela conta que mora em frente de uma tradicional festa de rua. Diz que a mãe vende doces e comida no baile para poder sobreviver.

Rayne disse que ajuda a mãe, mas também curte o baile, pois gosta de dançar e ficar com os amigos de sua quebrada. “Uma vez ele chegaram de uma forma que quebraram tudo da gente. Ficamos sem entender pois moramos lá, é nosso lazer”, comenta. “Pergunta se eles organizam alguma coisa pra gente aqui? Somos nós que tentamos nosso lazer’’.


Acervo pessoal. Igor e sua namorada, cinco meses depois da violência policial.

Esse não é um assunto recente, nem casos isolados. No dia 11 de Setembro de 2011, Igor Costa dos Santos estava no baile funk do Guarani quando a polícia deu carga (termo empregado para a operação de dispersar) e ele saiu correndo. De acordo com a mãe, que conversou comigo, quando o filho foi olhar procurando os amigos, o policial deu o tiro. Não socorreu e ele ficou cego do olho esquerdo.

‘’O processo está rolando até hoje. Na época ele tinha 15 anos, hoje ele está de boa, um homem maravilhoso, casado, nunca foi bandido, não usa drogas’’, comenta Selma Costa, mãe da vítima. Ainda, conversando com Selma, ela acrescenta que “as pessoas que estão no baile não são bandidos, não é bem por aí”.

‘’O estado reconheceu que o fato aconteceu, só que indenização até agora nada, pedem perícia direto’’, encerra.

Entra ano e sai ano e as histórias se repetem. Precisamos debater e cobrar políticas públicas que dialoguem com o movimento. Além disto, devemos cobrar respostas de casos como de Igor e Gabi, mesmo que pareça uma luta sem fim. Fica a reflexão, vamos esperar por mais quantas histórias de violência? Funk é cultura, funk não é violência.

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