Comportamento

Cortes chavosos saem das quebradas de São Paulo e invadem o mundo

20.03.2017 | Por: Guilherme L. da Rocha

Em meados de 2014, os cortes ditos “chavosos” começavam a virar febre em São Paulo. Cortes com diversos desenhos, cores e formas. Hoje, resquícios dessa moda ainda se mantém presentes na cultura periférica, com traços menos extravagantes, e agora ganham os holofotes do mundo.

Em uma das centenas de vielas de Guaianases, extremo leste de São Paulo, está localizado o salão “Bom de Corte”. O local conta com um único cabeleireiro: Victor Vinicius Rodrigues, 23, que recentemente teve seus cortes destacados em uma exposição fotográfica na Inglaterra. A Kondzilla foi até o local para saber mais sobre essa parada de exportar os cortes da quebrada.

*Jardim Lageado, Guaianases, São Paulo.

Com formas geométricas bem definidas e traços finos, os cortes “Chavosos 2.0” se destacam pela agilidade no processo e pelo ar mais conservador dos cortes. A extravagância ficou no passado, e o lema ‘menos é mais’, que vem ganhando força numa escala global, aparece na cultura periférica também. No salão “Bom de Corte”, um corte simples e muito do estiloso, sai por R$15 – um valor justo e honesto, em comparação a outros salões tidos como ‘vintage’ no centro da capital paulista.

*Os cortes do Vinicius demoram, em média, 30 minutos

Mesmo com o crescimento das “babearias gourmet”, a quebrada continua mantendo as raízes, com salões de beleza mais modestos ao mesmo tempo que são mais aconchegantes. Na quebrada, ir no salão para dar um tapa no cabelo é muito mais que um ato de vaidade, é uma chance para encontrar os amigos e resenhar.

*O Bom de Corte virou um point na quebrada

“Tem muita gente que acha que não, mas essa molecada é muito vaidosa”, explica o barbeiro. “Sempre existe aquele que inventa um pouco mais. Mas, hoje em dia, isso diminuiu um pouco. O chave hoje é um quadriculado, um risco a mais. Pintar o cabelo de azul, por exemplo, já é coisa do passado”, conta Vinícius, ao comparar o momento atual dos cortes.

Quem concorda com esse pensamento de que o corte de cabelo tem sido “destaque” na quebrada é o fotógrafo e videomaker Henrique Batista Candido Duarte, 26, que assina com o codinome Hick Duarte as fotos e vídeos que produz.

“Sempre fui interessado em explorar a cultura periférica, e comecei a notar que dentro da cena do funk, algo além da música, os cortes de cabelo tem uma puta importância. É como se fosse um uniforme para molecada”, comenta Hick, que não é da periferia, mas se interessa pela cultura.


*Fotos da exposição do Hick de 2017 em Londres – Cortesia: Hick Duarte

Henrique contou que conheceu o trabalho do Vinícius pelo Facebook, e marcou um encontro, ainda em 2013, para retratar os cortes. Depois de passar uma tarde inteira de janeiro de 2013 no salão “Bom de Corte”, o fotógrafo foi para casa e, ao editar o material, percebeu que a parada era grandiosa.


*Fotos da exposição do Hick de 2017 em Londres – Cortesia: Hick Duarte

“Pensei que aquele material poderia ser bem retratado fora do país. Comecei a falar com alguns contatos de fora e consegui divulgar esse trabalho em duas publicações: uma na Inglaterra e uma na França”, detalhe Hick, ao contar sobre as fotos. “Em janeiro e fevereiro deste ano, expus as fotos no ‘CUT Festival: The Art of Barbering‘, um festival que explora a cultura do corte de cabelo em locais marginalizados do mundo inteiro. Foi algo bem legal”, relata o fotógrafo, durante conversa pelo telefone.

*Fotos da exposição do Hick de 2017 em Londres – Cortesia: Hick Duarte

Mas, voltando ao papo com a molecada no “Bom de Corte”, encontramos Lucas Régis, 20 – para os mais íntimos, Cachorro. Ele é um dos clientes mais assíduos do “Bom de Corte”. Certa vez, Vinícius foi viajar e ficou uma semana fora. Quem se deu mal foi o Cachorro, que corta o cabelo a cada duas semanas, religiosamente. Quando deu o dia de ir no barbeiro, se viu sem o parceiro e ficou sete longos dias com o cabelo “grande”.

Se você quiser trombar o Lucas, vulgo Cachorro, é só colar no Bom de Corte

Lucas se viu sem opção e, hoje, se diverte ao contar o perrengue que foi.“Ué, esperei ele voltar para cortar [meu cabelo]. Fiquei com uma boa juba, mas depois cortei como? Chave!”. Procurar outro barbeiro nunca foi uma opção para ele. “Nunca passou na minha cabeça procurar outro. Ainda mais porque era mês de festa. Já imaginou se ele erra?”.

Como deu para perceber, a fidelidade é um ponto importante nos salões de quebrada. O vínculo com seu cabeleireiro é tipo aquele médico, que você se sente seguro, manja? Um para a vida toda.

Vinícius e os parceiros da quebrada. Parceria para vida toda.

Com o movimento crescendo cada vez mais, o cabeleireiro sonha cada vez mais alto. “Quem sabe, um dia eu vá trabalhar na gringa, não é? Eu sonho em cortar o cabelo do Will Smith, por exemplo”. E se a fidelidade é do cliente com o barbeiro, o inverso também acontece. “Mas é aquele negócio: borboleta voa, mas volta. E minha quebrada sempre vai estar em primeiro lugar”. O parceiro Cachorro ficou aliviado ao ouvir essa fala.

Ah sim, e por último – mas não menos importante – esse que vos escreve aproveitou a visita e também entrou na onda do “Chavoso 2.0”. Por isso, posso falar com toda a certeza que se você tiver dando um rolê por Guaianases ou quer dar um bom tapa no visu, é só colar no “Bom de Corte”.

Aproveitei a ida e fiz um corte “chavoso 2.0”

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