Comportamento

O corre de quem mora nos extremos da cidade

22.07.2019 | Por: Fernanda Souza

A jornada de quem quer estudar e mora em quebrada é, infelizmente, dolorosa e cansativa. As periferias estão afastadas do centro urbano, e historicamente, refletem na desigualdade social do país. Essa distância prejudica a vida de muita gente que passa horas no transporte público ao invés de se dedicar a qualquer outra coisa, como descansar, criar, estudar e até mesmo ficar com a família. O Portal KondZilla conta agora a história de 3 jovens que estão na luta de conquistar o seu futuro e moram no extremos da cidade.

                 Foto: Antonio Salaverry / Shutterstock.com

O Karma de estudar ou trabalhar longe de casa

Dentre a falta de mudanças na base escolar e organização nos investimentos da educação pública, má distribuição de renda econômica do país, a localização geográfica na metrópole e ainda o preconceito, jovens de periferia em São Paulo têm que correr contra o tempo.

Morar na periferia é saber que sua localização pode dizer tudo sobre como vai ser sua caminhada na vida, principalmente a profissional. Por muitos anos a palavra ”estudar” foi limitada aos ricos, já que a falta de escolas de qualidade, universidades e até mesmo centros econômicos não estavam (e continuam não estando) geograficamente localizados nos lugares afastados da cidade. Assim, interferindo nas escolhas pessoais de cada um (principalmente de quem mora na quebrada).

Não basta querer, tem que ter dinheiro para se locomover e comer. Além disso, é preciso conseguir conciliar os estudos com trabalho, e coloca na conta também o tempo perdido entre os lugares. Imagina: acordar, ir trabalhar longe, depois se locomover de novo até a faculdade e por último voltar para casa para descansar e estudar.

Para retratar esse desafio diário de muito jovem de favela, falamos com alguns alunos do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias, localizado no bairro do Bom Retiro – Centro. Suas vivências como jovens e estudantes no corre de um sonho representa milhares de pessoas que estão aí na luta diária.


Foto enviada por Mariana

Mariana Conceição da Rocha é estudante de Audiovisual e diz que já pensou em desistir diversas vezes por conta da dificuldade em movimentar. ”Eu acordo às 5h da manhã pra chegar às 8h no Criar. Trabalho o dia todo porque sou produtora executiva, assim tenho que ir na 25 de março fazer compras, ir na Biblioteca Nacional registrar roteiro, fazer vários corres pra chegar às 0h em casa e acordar novamente às 5h”, conta a estudante. “Por isso que eu digo, se fosse mais perto de casa, eu não pensaria tanto em desistir, mas ainda estou aqui, aos prantos. Um dia chego lá, trazendo tudo isso pra quebrada”.

Mariana mora no extremo sul do Grajaú, no bairro chamado Jardim Belcito. Por conta da localização afastada dos centros urbanos, e dos centros empresariais, até na hora de buscar emprego as pessoas não a contratam porque pensam que ela vai chegar atrasada. ‘’Acham que não tenho maturidade [para chegar no horário]’’.

Para a estudante de audiovisual, na comunidade as informações sobre os direitos e deveres do cidadão demoram muito para aparecer. Poucas pessoas ficam sabendo de possibilidades de estudo e quando ficam, rola um desânimo. ”Muitos amigos meus não teriam coragem de ir até o centro. Mas não vou ser boba, vou atrás e ainda levo os meus!”


 Acima, Artur. Foto: Alan Alves

Artur Teixeira, 19, reside no Jardim Dona Sinhá no extremo da Zona leste. Ele Também é estudante de Audiovisual e Fotografia e vai até o centro porque a área da fotografia, especificamente iluminação, não existe em oficinas de quebrada. ”Se tivesse, eu nem pisava no centro”.

Quando perguntei ao Artur quais eram as dificuldades, ele contou que a maior delas é o mercado de trabalho. “A maior dificuldade é que parece que não existe um mercado de cinema do Brasil, e o que existe, somente poucos de quebrada vão conseguir ter acesso. Para muitos é uma realidade distante, até no estudo.”

O interessante é que tanto Artur quanto Mariana concordam que é desgastante ficar tanto tempo no transporte público. ”Eu acredito muito que o transporte público foi feito para sugar a energia do trabalhador e de quem tá correndo para sobreviver”, diz o estudante de fotografia.

Muito observador e crítico, Artur ainda comenta como é tentar equilibrar o trampo com o estudo. ”Conciliar os estudos com o financeiro é uma armadilha. O trabalho muitas vezes ocupa muito tempo e esforço, acaba que não resta energia ou ânimo pra gente ficar de frente com um livro, caderno ou criar sua arte”.

Artur faz parte de um coletivo de quebrada da área de produção cultural chamado S.U.C (Sinhá União Cultural) e diz fazer cinema porque é uma forma genuína de se traduzir pontos de vistas e temas de discussões que passam batido hoje. E no português culto de maloqueiro ‘’ … o corre é fazer cada preta e preto de periferia se sentir representado’’.


Foto enviada por Nzambi

Para finalizar, falamos com Nzambi Brito que mora no distrito de Parelheiros, que perde pelo menos quarenta minutos, sem trânsito, pra chegar até a estação de trem mais próxima de sua casa. Esse trajeto até uma estação diz muito como deve ser a rotina da estudante, por conta disso, perguntamos qual o motivo dela ir até o centro estudar. “Na quebrada não tem muitos cursos que fazem nossa mente expandir. Os cursos que têm são os que nos formam para trampar em empresa, como secretária ou vigilante. E não é querendo tirar, mas só nos querem pra serviço de base”.

Nzambi é técnica de som e afirma que seu corre é independente, ou seja, busca informações sozinhas e vai pro centro no objetivo de ampliar sua sabedoria. Ela comenta que há dificuldade nos estudos e no mercado. ”Primeiro porque nem sempre tem condução, a distância que demanda energia e o valor que não querem dar para o meu trampo”. É importante ressaltar que o ramo que Nzambi curte é pouco escasso de mulheres.

Com apenas 18 anos, mas muita vivência, ela diz que nunca pensou em desistir, mas que assume o esforço nada romântico disso tudo. ”Não penso em largar, porém requer demandas, aí tenho que fazer elas pra conseguir os estudos, não é sempre que temos um curso de graça”.

A gente sabe que os obstáculos pra quem mora na periferia são grandes, mas desistir não é uma opção, não pelo menos pra uma galera que tá correndo e sabe que vai chegar. Se estiver pensando em desistir, não faça isso, se inspire nesses três jovens que você não está sozinho.

Quem quiser conhecer mais sobre esses três zicas, pode acessar o sites que eles publicam e atualizam seu conteúdo: Artur Texeira, Mariana RochaNzambi Brito.

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