Conheça o projeto Funk SP, responsável pelo fluxo legalizado em São Paulo
Na foto, atrás: Luan, Maicon, Fábio Nego, Índio King e Eduardo. Na frente: Milton e Lilian
Os fluxos em São Paulo já viraram tema de música, mas também viraram notícia em jornais. O que poucos sabem, é que a gestão municipal do ex-prefeito Fernando Haddad criou o projeto “Funk SP”, com a iniciativa de tentar conciliar o acesso a cultura e o bem estar dos cidadãos. O Portal KondZilla foi atrás dos responsáveis pelo Funk SP para saber mais dessa história toda e se deu certo ou não, já que às vésperas de terminar o mandato, Haddad diminuiu as verbas do projeto.
O ‘Funk SP’ é um grupo formado por diversos produtores culturais de diversas regiões da capital paulistana. Encontramos com: Maicon Lacerda (São Matheus – Zona Leste), o trio Milton Justiniano, Eduardo Ceresetti e Índio King (Cidade Tiradentes – Zona Leste), Fábio Nego (Vila Prado – Zona Norte) e a dupla Lilian Santiago e Luan Santiago (Cidade Ademar – Zona Sul). Cada qual realizou algumas edições do ‘fluxos legalizados’ na sua região nos anos de 2014 e 2015, por iniciativa da Secretaria Municipal de Promoção e Igualdade Racial (SMPIR), da gestão do ex-prefeito.
Caso você ainda não tenha ouvido falar no assunto, fluxo é um evento que acontece nas ruas – geralmente na periferia -, onde os frequentadores, na sua grande maioria jovens, se encontram para conversar, dançar e curtir a noite.
No vídeo, um exemplo de fluxo de rua
A situação fugiu do controle quando esse ‘encontro de galeras’ começou a arrastar um volume muito grande de pessoas e virou um problema para moradores locais. Seja por conta da quantidade de carros de som na rua, seja pelo grande volume de pessoas que impedem a movimentação dos moradores locais. Muita gente junta e sem organização não costuma dar certo.
O outro lado da moeda, é que os jovens procuram opções de lazer em momentos de crise. O encontro dos carros de som, juntando a galera na rua e de graça, transforma o fluxo numa opção rápida e barata de se divertir. Muitas vezes, esses fluxos acontecem em regiões onde não se têm outras opções de lazer para jovens. E foi nesse sentido em que a gestão passada projetou o “Funk SP”, unindo “O direito a diversão e o direito ao descanso das pessoas da comunidade”.
Sabendo disso, voltamos ao papo. O grupo foi formado entre 2013 e 2014, quando a SMPIR procurou produtores culturais dos quatro cantos da cidade para tentar elaborar um modelo de fluxo, no qual tanto a comunidade quanto os frequentadores estivessem em sintonia, e um não extrapolasse o limite do outro.
Segundo Maicon, 30, o interesse da prefeitura era promover a cultura jovem ao invés de interrompê-la. “O projeto surgiu em meio as dificuldades que tava tendo [sic] nos fluxos de rua, que estavam atrapalhando os moradores. Aí o prefeito se viu na ocasião de montar alguma ideia para ajudar as comunidades, que foi onde chamou alguns organizadores de cada região para fazer um fluxo organizado – que seria a ideia hoje. Fazer um fluxo organizado”.
Maicon conta que a conversa partiu da antiga SMPIR. “Na época, tinha uma secretaria, a Secretaria da Promoção e Igualdade Racial. Quem me chamou foi a Kátia, a pedido do “Toninho”, o sr. Antônio Pinto [secretário da pasta]. Foi dai que começou. Ela foi até a minha região de São Matheus, convidando para uma reunião. Ai, chegamos lá, o Antônio Pinto sentou com nós na mesa, explicou, vendeu um monte de sonhos e falou que ia fazer uma coisa organizada. E acabou não sendo uma coisa organizada”
A ideia da prefeitura era montar um calendário anual, com X fluxos legalizados para cada região. Porém, devido aos acertos e erros na construção do modelo ideal, esse calendário não funcionou.
Fábio Nego, 39, acredita que a falta deste “modelo” prejudicou o calendário. “A prefeitura pediu pra gente um calendário anual, a gente foi lá e fez, com locais apropriados, que sanasse os fluxos. E acabou que caiu por terra, porque a gente foi lá, fez o compromisso com a comunidade, e a prefeitura foi muito morosa na questão do que ela prometeu pra gente, que era o que: palco, som, iluminação, banheiro químico, subsidiar o evento para que ele fluísse com segurança, e tudo aquilo que eles estão pedindo, como horário específico”.
Já Milton, 27, achou que o projeto tinha força, mas pela falta de comunicação entre a secretaria com os demais produtores, e a quantidade de testes para tentar criar um modelo ideal, ao invés de todos compartilharem as informações, prejudicou o grupo. “Cada região era tratada de uma forma. Uns eles ajudavam mais, outros eles ajudavam menos… Até que enfim, a gente conseguiu um falar com o outro, se encontrando nas reuniões, fomos trocando ideias e montando um grupo. E estamos aqui. E é aqui onde a gente troca ideia para a melhoria do evento. A gente vai aperfeiçoando o projeto, pegando a ideia de cada um e montando um só, para melhorar para todos”.
Cada edição do “Fluxo Legalizado” tinha uma produção própria, o que fazia com que os custos fossem diferentes: tanto de região como de produtor. Segundo o grupo, o custo estrutural (banheiro químico, palco, grades, seguranças, som, iluminação, etc) ficava entre R$30 mil chegando ao máximo de R$180 mil. Neste valor, não estava incluso o cachê dos artistas que se apresentavam no fluxo.
Toda essa organização resultou em pontos positivos para o projeto, tanto para os frequentadores, que teriam uma estrutura básica, como para a comunidade, pois os eventos aconteciam em locais de fácil acesso e dissipação do público e também havia horário para começar e terminar. Resumindo: no final, todo mundo ganhou.
Outro ponto que o grupo ressalta como positivo para o projeto, é o apoio aos jovens que se espelham em MCs e desejam alcançar o sucesso nos palcos. Os fluxos legalizados ajudavam as crianças a verem um ídolo, poder assistí-lo em horário permitido para a idade, e também abriam as portas para artistas regionais. Com o fim dos fluxos legalizados, as crianças de diversos bairros periféricos da capital perderam parte do seu lazer, assim como os jovens.
Também foi uma baixa financeira. Para os donos de carros de som, que eram pagos para irem ao fluxo, como também para os vendedores. Sem o fluxo legal, esses trabalhadores tiveram que voltar para a informalidade para completar a renda de casa.
Se produzir um evento é difícil, a prefeitura deixou mais um problema na mão dos organizadores, que era a solicitação de autorizações pelas diversas esferas públicas.
Para Índio King, 21, a conclusão que o grupo teve do projeto da gestão anterior foi positiva, porém, precisa de melhorias. “O projeto é excelente, deu certo, mas foi mal administrado. Os pontos negativos são exatamente esses: terceirização e a falta de diálogo entre os organizadores. Como o Milton citou, haviam 40 pontos de fluxos na Cidade Tiradentes, e depois do 1º evento diminuímos para três. Imagina como a execução do projeto foi boa nesse sentido”.
King completa: “Outra parte ruim foi a gente ter começado, fizemos a nossa parte, a comunidade que ia lá curtir fez a parte dela e parou de ir [nos fluxos ilegais]. Eles “obedeceram” o nosso pedido. Porque assim, é um troca: ‘Eu não vou no fluxo ilegal, então o que eu vou fazer? Vou pro shopping? Não’. Você vem pro fluxo legal! A gente fez a nossa parte, a comunidade fez a parte dela, só que a secretaria não fez a parte dela”.
Procuramos o Antônio Pinto, antigo secretário da pasta, para falar sobre o projeto, porém por motivo de saúde, ele não pode receber a equipe do Portal KondZilla. Como a SMPIR foi extinta, não encontramos ninguém na atual gestão para falar sobre o projeto dos anos passados. Somente esta entrevista com o secretário em 2015.
RE você, já frequentou algum fluxo legalizado? Coloca nos comentários como foi.