Como a pandemia tem impactado as barbearias das quebradas de São Paulo
No dia 11 de março de 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou pandemia mundial por conta do novo coronavírus. Alguns dias depois, em 16 de março, o governador João Doria começou a estabelecer algumas medidas de distanciamento social para tentar controlar o avanço do vírus. Essas medidas incluiam a suspensão das aulas nas escolas públicas, eventos públicos, e eventualmente o governador decretou a quarentena. Neste um ano de pandemia, perdemos muitas vidas, nossas vidas mudaram quase que completamente e claro que as quebradas foram muito afetadas por tudo isso. Por isso, nós do Portal KondZilla fomos conversar com alguns barbeiros de periferia para entender sobre o impacto desse um ano de pandemia na vida deles. Se liga:
Para quem mora e empreende dentro de uma comunidade, a crise é constante, mesmo antes da pandemia da covid-19, é como cantam os MCs Ryan SP, Don Juan e Kevin em “Passar de Foguetão”: “me deparei com as panela vazia, a fome fazia a goma de playground, chuva minava o barraco e as telhas”.
Sabemos que mesmo antes de tudo isso, a vida na favela já era muito difícil por muitos motivos, como a distância de grandes centros, o que dificulta conseguir um trampo, o estudo e até mesmo o acesso ao lazer. Pra quem nasce quebradinha, ir atrás de melhorias é sempre mais complicado.
Allyson Santos Viana, 21 anos, morador de Jandira, Zona Oeste de São Paulo, mais conhecido como Japa Cort’s, começou na caminhada como barbeiro enquanto lutava pelo sonho de ser jogador de futebol. “Passei em um teste de um clube, mas não tive apoio ou auxílio financeiro. Por isso, precisei encontrar uma forma de me manter ali dentro, comecei cortando o cabelo ali mesmo”.
Tendo que deixar o sonho de jogador de lado, Japa trabalhou de motoboy e até mesmo vendedor de lanche, onde conseguiu juntar dinheiro e abrir sua primeira barbearia em 2019. “Logo no primeiro ano a barbearia bombou, começou a dar certo, mas depois chegou a pandemia, aí foi onde me quebrou. Fiquei quatro meses com a barbearia fechada e mesmo assim pagando aluguel, não teve outro jeito a não ser ter que ir na residência do cliente”, explica Allyson.
Mesmo com a abertura dos comércios, Japa sofreu um grande impacto na parte econômica, em uma semana o salão chegava a receber 50 clientes, com o novo cenário, a clientela caiu para 15 cortes em uma semana.
“Até que a minha barbearia não caiu tanto o número de clientes, mas precisei deixar ela aberta na miúda, e agora novamente com a entrada para a fase vermelha, por mais difícil que seja, não posso fechar o salão, deixo a porta meio que aberta, aviso os cara que ela esta funcionando, mas mesmo assim ainda é difícil, porque a forma como os guardas chegam em um bairro mais da hora, não é a mesma forma que ele chega aqui na quebrada. Os cara vem na grosseria.” Comenta Marcio Vinicius da silva Santana, 23 anos, morador de Santana de Parnaíba, Cidade de São Pedro.
Conhecido como MV Barbearia, Marcio antes de ser barbeiro, trabalhou como lavador de carro e em uma empresa de segurança, onde dividia o tempo com a barbearia, até sair e se dedicar somente a ela. Hoje é o barbeiro oficial dos caras da Ceia, como Clara Lima e Kyan. E inclusive deixou o Djonga com o cabelo na régua para capa de lançamento do novo álbum, “Nu”, lançado no último dia 13 de março.
Com o fechamento de comércio, impacto na economia e até mesmo abuso de autoridade, sem preparação de políticas públicas competentes o suficiente, Matheus Silva de Carvalho, 22 anos, Jd Brasil, Zona norte de São Paulo, conta como está sendo lidar com o novo cenário. “Desde quando começou a pandemia eu não consegui parar de trabalhar, eu nem posso na verdade, tenho contas para pagar. Tenho tentado seguir todas as normas de prevenção dentro do salão”.
Assim como MV, Matheus comenta sobre a forma de tratativa dos guardas e policiais com os comerciantes. “A maior dificuldade é trabalhar com medo, dos caras bater na porta e aplicar multa, ficar com medo da polícia, fora a preocupação da saúde. E claro com tudo isso a parte econômica é sempre a que pega, até então eram 13 clientes fixos e os outros que cortavam em algumas vezes no mês, mas agora é somente os 13 mensal”.
Durante a pandemia, nós estamos precisando nos reinventar para conseguir nos manter. Raphael Araujo, 17 anos, morador de Paraisópolis, Zona Sul de São Paulo, conta que desde menor sempre gostou de cortar o cabelo e toda a resenha que tinha dentro do salão. Raphael fez algumas entrevistas durante a quarentena, mas sem nenhum retorno e com a mente focada em ajudar a mãe dentro de casa, através das redes sociais foi trocando ideia com os barbeiros que tem como referência para começar a aprender e trabalhar. “Como eu ainda não tenho uma barbearia fixa, eu corto em casa ou vou até a casa do cliente. Comecei há uns 7 meses, cortando o cabelo dos meus parceiros mesmo, mas fui começar a ter renda esse ano”.
“Como com essa pandemia está tudo diferente para aprender, tento tirar o máximo de conhecimento possível das redes sociais e da internet, principalmente no Instagram, onde eu acompanho muito o Lipe Cortes, Barbearia Ernandes Reis e MV Barbearia. Confesso que com tudo isso minha vida às vezes parece que vai virar de ponta cabeça, mas to com a mente blindada, me dedicando ao máximo e com a expectativa de muito trabalho e progresso”.
É de entendimento de todos a crise que estamos vivenciando e por isso a necessidade de fechamento de comércios, mas obviamente as periferias sofrem ainda mais com já que falta amparo político para que as pessoas consigam acatar com o isolamento social sem que isso afete completamente a renda familiar e dificulte ainda mais a vida das pessoas que já sofrem diariamente com a exclusão social, política e econômica.