Com dois longas, diretor Emílio Domingos retrata a dança e a estética da juventude carioca
A cultura periférica é um poço cheio de peculiaridades e manias. Até porque, a etimologia da palavra cultura significa: cultivar, ou seja, manter alguns hábitos como a dança, a música, a vestimenta, as gírias. São diversos fatores que fazem de a periferia um retrato cultural tão singular para o público e aos interessados. Para sacar disso tudo, o Portal KondZilla conta um pouco sobre o trabalho do diretor carioca Emílio Domingos, 45, que há anos vem retratando as principais características do jovem de periferia, tendo dois longas como destaque: “A Batalha do Passinho” e “Deixa na Régua“.
Da Tijuca, bairro de classe média do Rio de Janeiro, Emílio sempre teve contato com a cultura periférica, muito por conta da sua relação com amigos que moravam em morros próximos a sua casa, como o Morro do Borel, onde quando moleque estava presente sempre que possível.
“De tanto subir o morro, lá nos anos 80 e 90, fui me interessando e absorvendo a cultura que o pessoal consumia lá. Achava aquela espontaneidade muito legal, era algo que realmente me saltava os olhos”, explica.
No final dos anos 90, Emílio se formou em Ciências Sociais e iniciou seus trabalhos no audiovisual, atuando como pesquisador. Sempre buscando algo relacionado a música, a função de roteirista para documentários fez crescer ainda mais a vontade de retratar a cultura do jovem carioca.
Seu primeiro trabalho como diretor veio com o documentário “A Palavra Que Me Leva Além – Estórias do Hip Hop Carioca“, de 2000 e, depois, ele dirigiu o filme “L.A.P.A“, que retrata a cultura do hip-hop e a relação com o bairro da Lapa. Seu primeiro trabalho relacionado com funk foi “Cante um Funk para um Filme“, de 2007. Segundo o diretor, o objetivo do documentário foi registrar a relação da comunidade com a música.
“Coloquei diversas faixas por Nova Iguaçu, que fica na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, falando para pessoas procurarem uma quadra e cantarem um funk para um filme. Fiquei impressionado com a quantidade de pessoas que procurou a gente em busca do sonho de ser um MC de sucesso”, disse Emílio. “Eu já tinha uma certa noção dessa importância do funk [na vida do jovem], e o filme serviu para reforçar essa crença”.
Durante o filme, Emílio retrata também o cotidiano de alguns personagens e de como é a relação do dia-a-dia de cada um com a cultura. “A música também é um agente sociocultural nesses lugares, ele molda o comportamento, gera cultura e renda”.
O segundo trabalho – e de maior sucesso – de Emílio foi sobre a batalha do passinho. Nós já falamos aqui sobre a importância do passinho foda que é um estilo de vida para diversos jovens. E foi lá em meados de 2008 que Emílio conheceu esse movimento.
“O YouTube começava a se tornar popular, e um dia navegando por ele, vi uns vídeos de uma molecada dançando uma coisa que era uma mistura de frevo com break dance, algo muito louco. Achei aquilo interessante, lembro que fiquei uns três dias pesquisando sobre passinho no YouTube, fiquei viciado naquilo”, relembra o diretor.
Em 2011, Emílio recebeu o convite para ser jurado da Batalha do Passinho, evento que reunia garotos de todo o Rio de Janeiro para eleger o melhor dançarino de “passinho foda”. Mesmo se considerando um conhecedor profundo do passinho, Emílio não aceitou o convite, já que não entendia da técnica. Porém, teve uma ideia melhor.
“Eu pedi para acompanhar todo o processo da Batalha do Passinho. Desde as primeiras seletivas, até a final. Eu registrei tudo o que foi possível e um pouco mais. Minha intenção era registrar o movimento e como aquilo funcionava”.
O diretor diz que ficou encantado com a autenticidade e a maneira de trabalho dos dançarinos. “Eles se reinventam a cada dia, era sempre um movimento novo. E eles davam um jeito de tornar aquilo rentável, de um jeito ou de outro. Fora que, dentro das comunidades, os dançarinos eram muito famosos e reconhecidos por todos”.
Retratar as danças dos jovens cariocas ajudou a mostrar peculiaridades do funk, e também chamou a atenção da imprensa (brasileira e internacional). O diretor acredita que o passinho foi importante na divulgação do que o jovem carioca vinha fazendo. Além de falar da música dos morros que vinha sendo desenvolvida desde o final dos anos 80.
E a cultura é um ser vivo em constante mutação. Neste ano, Emílio lançou mais um trabalho, “Deixa na Régua“, longa que mostra a estética dos jovens cariocas. O filme já rodou por Rio de Janeiro e São Paulo, e estreará em Belo Horizonte, Minas Gerais, nesta quinta-feira, 3 de agosto. Todo esse trabalho com o jovem registra um outro movimento atrelado a cultura nas quebradas: o papel do cabeleireiro e do corte de cabelo. O que também já falamos sobre no Portal KondZilla.
O diretor Emílio Domingos
“Nas quebradas, as barbearias são verdadeiros pontos de encontro pra galera. Eles se reúnem lá, e meio que dão o ponta pé para o rolê, trocam ideia sobre o mundo e cuidam do cabelo, o que é algo muito importante pra cultura deles. O corte de cabelo define o visual”, complementa o diretor.
Com três longas na bagagem e mais de 15 anos retratando o jovem carioca, Emílio acredita que a cultura ainda tem muito o que percorrer. Um dos principais problemas ainda é o preconceito em relação ao funk, mas com o seus trabalhos sobre a cultura carioca, o diretor percebe que isso pode mudar.
“O funk evoluiu muito e ainda tem muito pra evoluir. Porém, são muitos obstáculos, muitas barreiras impostas pela sociedade e pelo Estado. Infelizmente, essa cultura do jovem e do baile funk é bastante reprimida, porém isso não a impede de evoluir. E nós estamos aí para registrar essa evolução”, conclui.
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