Brega Funk: artistas criticam lei que torna o ritmo Patrimônio Cultural Imaterial de Alagoas
No último dia 24 de novembro, o gênero musical “brega funk” ganhou o título de Patrimônio Cultural Imaterial do estado de Alagoas após proposição do deputado Ronaldo Medeiros (PT). O título foi oficializado por meio da Lei nº 8.757 e publicado no Diário Oficial do estado em 24 de novembro de 2022, mas apesar da ação ter sido promovida como forma de reconhecer o trabalho de artistas alagoanos, nem todo mundo ficou contente com a tal homenagem.
O fato é que mesmo reconhecendo a importância do ritmo em Alagoas, artistas locais questionam a forma em que esse reconhecimento foi estabelecido, principalmente pelo fato do gênero ter nascido em Pernambuco e se popularizado lá em 2018 com a explosão do hit “Envolvimento”, de MC Loma e as Gêmeas Lacração, Mirella e Mariely.
Dona Iraci, Mestra do Guerreiro Campeão do Trenado e Patrimônio Vivo de Alagoas, foi uma das pessoas que não comemorou a notícia e muito menos entendeu o motivo para lei. Em entrevista ao Gazeta Web, Iraci comentou que ficou muito triste e a situação chega a ser revoltante.
“Fazer cultura é muito difícil! Fiquei muito triste, chega até ser revoltante esse tipo de coisa e tenho certeza que outros mestres da cultura popular compartilham do mesmo sentimento. Desde meus 8 anos de idade que estou vivendo o folguedo, que é o Guerreiro, e sei como é pouco o apoio dado para os grupos”, disse ela.
O presidente da Associação dos Folguedos Populares de Alagoas (Asfopal), Ivan Basan, também comentou sobre o caso e disse acreditar que a valorização do que é de fora já é um comportamento comum em Alagoas.
“Quando você privilegia o que vem de fora, logicamente você prejudica e desmerece o que você tem dentro da sua própria casa. Existem diversas manifestações tradicionais muito ricas dentro de Alagoas, e, quando falamos isso, nós não estamos desmerecendo o brega funk, mas é incoerente esse tratamento com algo que não é nosso”, comenta Ivan.
Quem também falou sobre o caso foi o jornalista Keyler Simões. Pesquisador e produtor cultural há cerca de 30 anos, Keyler afirma que não há justificativa para a criação da lei e que o estado de Alagoas tem uma riqueza cultural imensa e que poderia ser valorizada, como o Guerreiro, com mais de um século em Alagoas, o Fandango e o Pastoril.
“Não há justificativa para essa declaração de um gênero musical originário em Pernambuco, sem grande peso em Alagoas, sem desmerecer seus amantes, praticantes e fãs, mas nossa Alagoas tem uma riqueza cultural imensa, poderia ter outras manifestações homenageadas”.
Mácleim Damasceno, músico, pesquisador e crítico musical, aproveitou pra acrescentar que este título acaba desmerecendo outros artistas, sendo um verdadeiro afronte à cultura alagoana.
“Se você outorga um título desse a um gênero musical que não pertence ao estado, você está, no mínimo, desconstruindo os outros que são merecedores de fato e de direito desse título. É como dizer que aqueles que mantêm as tradições vivas não significam nada, chega até ser uma afronta à cultura alagoana. É absurdo e uma visão completamente errada”.
Até o momento, o deputado Ronaldo Medeiros (PT) não se manifestou sobre o caso. E pra quem tem interesse em conhecer mais sobre o ritmo que saiu do nordeste e ganhou o mundo, se liga no episódio de brega funk do The Beat Diaspora, série documental que apresenta a história do gênero em uma criação de Coy Freitas pro YouTube Originals, e realização da MyMama Entertainment em coprodução com a KondZilla, produção executiva de Mayra Faour Auad, Konrad Dantas e Coy Freitas e curadoria de Chico Dub e Dago Donato.