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A nova geração de DJs e produtores cariocas

03.09.2018 | Por: Guilherme L. da Rocha

O baile funk é uma cultura cíclica. De tempos e tempos, há uma renovação de nomes na cena. Desde seu surgimento no final dos anos 80, o funk em terras fluminenses passou por fases e recentemente um período de crise, digamos assim, com São Paulo se tornando o centro das atenções. Porém, uma nova leva de produtores deixou o Rio num papel importante novamente. Artistas como o DJ Polyvox, DJ FP do Trem Bala, DJ Zullu, DJ Rennan da Penha, DJ Iasmin Turbininha, aqueceram esse cenário. Se liga no papo que o Portal Kondzilla vai te explicar toda essa renovação.

O movimento funk, que surgiu no Rio, se espalhou pelo Brasil e assumiu regionalidades . São Paulo, como estamos acostumados, assumiu um lado mais profissional com um som “limpo” voltado ao mercado musical. As produções do Espírito Santo com o beat fino e os timbres de eletrônico do movimento de Minas Gerais, por exemplo, diferem do tradicional tamborzão carioca. Aliás, um dos motivos que fez com que outros mercados aparecessem foi a exaustão do modelo de produção carioca, com o tamborzão.

As produções cariocas em 150BPM são diferentes do que estamos habituados. Isso causou uma ruptura no próprio Rio. Quando a novidade surgiu, sem pai, alguns DJs apenas aceleravam a batida, o que distorcia o som e realmente deixava a música estranha. O DJ Polyvox assumiu a produção da 1ª batida e enquanto a galera acelerava músicas, o peso da crítica recaiu sobre ele – já contamos essa história aqui. Enquanto essa galera discutia, DJ Rennan da Penha popularizou o ritmo com diversas produções, incluindo grandes nomes como o Nego do Borel, em “Me Solta”.

Outro nome que propulsionou o movimento foi DJ Zullu, um dos DJs de destaques dos últimos tempos, que chamou a atenção até da Anitta. Outro nome importante dessa leva foi DJ FP do Trem Bala, que levou o formato de distribuição digital das música funk pelos canais do YouTube (movimento que o Rio não acompanhou na virada da década); e arrematando o bonde, temos a DJ Iasmin Turbininha, cria do YouTube também e que, graças a internet e seu talento, ajudou a levar o 150BPM e o arrocha pra diversos lugares.

Essa nova geração formada de DJs e produtores cariocas de destaque estão chamando a atenção devido três fatores principais – e que se diferencia do resto da galera: a volta do glamour dos bailes de comunidades pelo Rio de Janeiro, a inovação com o 150BPM e os canais de youtube com músicas lançadas quase que diariamente. Esse tripé explica um pouco da volta do protagonismo carioca.

Voltas dos Bailes

“O Rio de Janeiro sempre teve a características dos bailes de comunidade, e são nesses bailes que surgem as novidades”, conta o DJ Polyvox. “Tudo quanto é novidade nasce nas favelas primeiro pra depois ganhar o asfalto. Nem sempre essas novidades são aceitas, mas quando a galera abraça não tem jeito. Hoje, os bailes tão forte no Rio e isso ajuda a fortalecer a cena como um todo”.

No Rio de Janeiro, no anos 90, o funk sofreu com o preconceito e a repressão policial no asfalto e foi encontrar seu lugar nos morros cariocas – onde nasceu. Lá, os bailes se disseminaram por todo o Rio de Janeiro de forma regionalizada, com cada região tendo seu baile e sua equipe de som, algo que fortaleceu ainda mais a cultura carioca. Aliás, o DJ GrandMaster Raphael contou essa história melhor nessa matéria aqui.

Atualmente, o Rio de Janeiro vive um momento de alta, com os bailes como o da Nova Holanda e da Penha, por exemplo. O Baile da Gaiola, na comunidade da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, é um dos mais comentados no cenário carioca, o que acaba colocando os envolvidos nele em evidência. Inclusive os DJs que tocam lá. A parada tá tão famosa que o MC Nego do Borel, o MC Kevin o Chris e outros fizeram questão de citar o baile nas suas músicas

“Não botei muita fé [no 150BPM], até que o Rodrigo Fox, da Nova Holanda, me chamou e falou que também tinha acelerado”, explica Rennan da Penha, em entrevista anterior ao Portal KondZilla. “Pensei que tava de boa ainda, só que ele tinha acelerado pra 150BPM. Eu falei: ‘mané, tu tá maluco? 150BPM é acelerado demais’. Mas na Nova Holanda já tinha virado febre, baile lotado, geral pedindo putaria acelerada. Daí eu embarquei na onda e os bailes foram importantes no crescimento da parada”.

Consagração do 150BPM

Outro ponto importante, que inclusive já falamos bastante aqui no Portal KondZilla, é o 150BPM. Se em abril do ano passado comentamos que a novidade poderia ser a nova direção do funk no Rio, hoje isso já está claro pra geral. Antes do ritmo acelerado chegar, as produções sofisticadas de São Paulo dominavam o mercado e faziam com que DJs e produtores cariocas ficassem num segundo plano, muitas vezes até recorrendo à forma de trabalhar e produzir dos paulistanos. Hoje, acontece até o inverso: paulistanos que produzem músicas com a novidade carioca, caso de “Só Quer Vrau”, do MC MM (repare que a 2ª parte da música a batida acelera).

Essa novidade, definitivamente, caiu nas graças dos cariocas e vem conquistando o Brasil também, mas por outro lado foi o principal problema no elo entre velha guarda do funk carioca e nova geração DJs e produtores do RJ. O ritmo acelerado enfrentou bastante resistência dos mais velhos, que viam na novidade um crime contra o tamborzão, uma espécie de avacalhação do ritmo, que passava a ganhar produções bem mais rápidas do que o tradicional. Hoje em dia, o 150BPM já é visto como uma novidade válida por todos, mas ainda há algumas críticas.

“Sou um cara muito adaptado às novidades, o tempo passa e as coisas vão mudando, é um processo natural”, explica o DJ GrandMaster Raphael. “Sei que houve uma reclamação dos mais antigos no começo, mas eu vi com muita naturalidade. Procurei me adaptar e aprender, não posso ficar à margem das produções e das músicas do momento”.

Geração Digital

Por último, mas não menos importante, temos a internet e os canais do YouTube. Você já deve saber que a internet não é um fenômeno recente, muito menos os canais de YouTube focados em postar musicas de funk. Porém, essa distribuição se popularizou no Rio de Janeiro há pouco tempo. São nos canais que os principais DJs e produtores divulgam seus trabalhos quase que de diariamente, sempre com novidades. O formato digital do funk chegou ao Rio.

“Tipo, na época que fiz o canal [2012] eram mais aqueles vídeo traçados, que é aquilo, passa várias fotos correndo no ritmo da música”, explica a DJ Iasmin Turbininha. “Eu fiz o canal pra lançar esse tipo de vídeo. Só que tipo assim, eu não sabia editar os vídeos (risos)?! Era mais pra divulgar as músicas dos amigos DJ’s. Mas aí eu pensava: ‘se eu gostava [do som], os outros iam gostar também’”.

São Paulo criou o mercado de grandes canais no YouTube que divulgavam trabalhos – caso da própria KondZilla. Esse fenômeno paulistano demorou a ser abraçado pelo Rio de Janeiro, tanto que até o começo da década ainda vivia do mercado analógico e regional, com as músicas ainda sendo divulgadas nos bailes e comunidades. Essa nova geração carioca subverteu essas duas lógicas, criando e fortalecendo seus próprios canais, fazendo com que a internet passasse a ser uma plataforma extremamente relevante para divulgação, além de medir também o que tá rolando de sucesso.

“Eu comecei no funk pelo YouTube, lá em 2014. Ganhei alguns seguidores que gostaram do meu som e eles começaram a pedir que eu fizesse uns shows”, conta o DJ FP do Trem Bala. “Hoje em dia, consigo conciliar essa diversão com o trabalho. Minha maior inspiração foi o MT Sheik e criei o meu canal porque queria ser reconhecido pelo meu trabalho, meu sonho era esse e hoje eu tô que tô naquele pique! (risos)”.

Renovação

“Quantas gerações eu já vi nascer e morrer?! Muitos companheiros de início já não estão mais trabalhando, aí veio outra geração que também, nasceu, cresceu e morreu, depois teve três ou quatro gerações”, diz o DJ Marlboro, uma das pedras fundamentais do baile funk no Brasil. “Eu posso falar isso com propriedade: a média de longevidade de um DJ é de 10 anos. Isso a média, claro que tem DJ que vai durar mais que isso ou menos. Quando se alcança essa média por vários motivos, como falta de atualização ou desinteresse, fica preso ao que ele toca e com isso vai saindo de cena. Essa renovação faz bem pra cultura”

“A galera da velha guarda já reconheceu que o 150BPM é a novidade, não tem jeito”, crava o DJ Polyvox, sem papas na língua. “Eu acredito que tem espaço pra todo mundo, pro 130BPM, pro bate lata, mas no Rio de Janeiro isso [modelos de produções antigas] não vai vingar mais”.

Não há como discutir: o Rio de Janeiro é o berço do baile funk. Como pedra fundamental, tudo que o carioca faz pela cultura é relevante. Pra quem se reinventou tantas vezes, passando pelo miami bass, tamborzão, pela onda das equipes de som, do proibidão, das montagens, entre outras novidades, o 150BPM é só mais uma prova que “o RJ é o RJ”. E uma geração que acumula milhões e milhões de visualizações a cada nova música postada não pode ser deixada de lado.

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