Funk carioca vira tema de livro internacional
A cultura brasileira é muito estudada lá fora. Um dos temas mais estudados é a MPB, mas o funk tem crescido cada vez mais no interesse dos pesquisadores. Uma das pessoas que se interessou muito pelo assunto foi o professor Paul Sneed, americano, que atualmente mora na Coreia do Sul e que passou um tempo morando no Rio de Janeiro, por cerca de cinco anos entre o começo da década de 1990 a 2009. A experiência e pesquisa resultaram no livro “Machine Gun Voices: Favelas and Utopian in Brazilian Gangster Funk“, que traduzindo seria algo do tipo “Vozes de Metralhadora: favelas e utopias no funk proibidão”. Chega mais pra entender sobre o autor e esta obra.
Enquanto cursava ciências políticas nos Estados Unidos, em 1990, Paul veio ao Rio de Janeiro fazer um intercâmbio. Ele começou morando em São Conrado, perto da Rocinha e a convite de uma amiga, visitou a comunidade pela primeira vez. “Depois dessa primeira vez, quando passei uns quatro ou cinco meses morando na Rocinha, voltei várias vezes entre 1990 e 2009. Já na pós-graduação, comecei duas atividades na Rocinha que me levaram a passar muito mais tempo morando lá. Com algumas amigas da comunidade (e uma de Duque de Caxias), juntos fundamos uma ONG educativa, a Instituto Dois Irmãos no Brasil (i2i)”. Ao todo, Paul ficou 5 anos na Rocinha, entre idas e vindas.
“Lembro que não gostei do meu primeiro contato com o funk. Eu sempre fui rockeiro e não tinha curtido em especial o hip hop, nem do meu país”, conta Paul sobre sua descoberta com o funk. “Mas com o tempo, os jovens da comunidade, que eram meus amigos, me passavam fitas e dicas. Com o disco ‘A Volta do Homem Mal‘, da Pipos, comecei a gostar [do funk]. Aquelas montagens eram contagiantes. O “Rap da Liberdade” da mesma fita, também era muito bom”.
Crianças no Baile, anos 2000 // Greg Scruggs
“Depois conheci um monte de músicas clandestinas, tipo o proibidão daquela época. Tinha as versões de rádio e outras de baile, falando de crime e do submundo do Rio. Mas não era só aquilo que chamava a atenção. Eram os próprios funkeiros. Significava algo crucial para eles, um espaço próprio, uma movimentação cultural afro, algo das vidas deles que se diferenciava da cultura do ‘asfalto’.”
Bailes funk
Pro professor, a importância do baile vai além do encontro pra dançar. “O baile é o ponto de encontro do funk. Novas modas entram e saem, mas o baile continua sendo esse espaço. É uma cultura ao vivo”, diz ele. “No mundo afro-atlântico, no qual o funk brasileiro nasceu, o encontro ao vivo sempre foi chave. Historicamente, as comunidades-afros não tinham tanto os prédios fixos ou palavras escritas para contar ou transmitir seu saber, poder ou ser. História oral, o corpo, a dança, música, os encontros de comunidade, com esses elementos, eles se juntavam para falar sobre o passado e refletir sobre o futuro”.
Na época em que o professor morou na Rocinha, era a época de artistas como MC Dollores, MC Galo, MCs Júnior e Leonardo, além do pessoal de outras comunidades, como Mr. Catra, Cidinho e Doca, William e Duda, Claudinho e Buchecha e a Tati Quebra Barraco.
Crianças no Baile, anos 2000 // Greg Scruggs
Além de ter aprendido muito sobre o funk, o professor também aprendeu muito sobre a vida nas favelas. “Aprendi muito sobre o amor com as pessoas da Rocinha entre outras coisas. Na comunidade, tem muitas pessoas de destaque, não só de lideranças como os políticos locais das associações de moradores, educadores, empreendedores, comerciantes, MCs, etc. Na favela, eles não são os únicos considerados importantes. Todo mundo é uma pessoa. A profissão, idade, raça sexo não definem, em primeiro plano. É a humanidade.
Funk pros gringos
O funk ainda é polêmico até hoje no Brasil. Muitos amam, dançam e se divertem independente do tipo de funk: os de rádio, mais pop ou os mais mandela. Porém, ainda existe muito preconceito com o ritmo por causa das letras e pelo funk ser um movimento de favela. “Talvez seja mais fácil explicar o funk para as pessoas no exterior, por um lado, porque sai um pouco do clima polarizado do Brasil. Os estrangeiros não têm os mesmos preconceitos, sendo contra ou a favor”, comenta ele. “Muitos brasileiros acham que conhecem por terem um contato superficial. Acaba sendo difícil alguém conhecer de verdade nessa disputa de “funk é cultura” e “funk é lixo”. O funk é muitas coisas, como qualquer movimento cultural”.
Paul na Rocinha, no ano de 2001
Paul compreende que dentro das favelas, nem todos curtem os bailes, mas é necessário mais que gosto para discutir sobre o tema. “Nos meus tempos na Rocinha, tinha muitos moradores que não gostavam. Achavam muito barulhento. Os bailes de comunidade começavam bem tarde, muitas vezes depois da meia-noite, e rolava até o sol se levantar. Por outro lado, esse é um pouco a vida em comunidades de baixa renda no Brasil, com samba, pagode, forró e até música evangélica. Dito isso, acho que as pessoas tem que levar em consideração que os afrodescendentes e pobres no Brasil têm sido vítimas de uma lógica colonialista que coloca o branco e o rico em cima e o negro e o pobre em baixo. A pessoa tem que ter consciência que seus gostos musicais, como o padrão da beleza, por comida ou qualquer coisa, não existem fora do âmbito social, cultural e econômico de onde a pessoa vier. Somos condicionados. De certa maneira, tem um condicionamento muito forte contra o funk e contra os jovens periféricos na sociedade dominante”.
O livro de Paul foi lançado na Coreia do Sul e em breve deve sair em outros países. O lançamento e o interesse do professor mostra que o funk segue quebrando barreiras e as histórias do movimento, dos bailes e das pessoas que alimentam essa cultura, segue ganhando espaço dentro e fora do país.