Explicando em detalhes: o que é Sample
Esses dias estava ouvindo “Oh Nanana“, do Bonde R300, e pensei: “acho que já ouvi esse beat antes”. Sim, e eu já tinha ouvido mesmo. Se você já teve essa mesma impressão com outras músicas, não foi atoa. Existe uma cultura de utilizar trecho (ou sample – que traduzido do inglês quer dizer “amostra”) de outras músicas se chama “samplear” (dei uma abrasileirada, porque não existe o verbo sample no português). Este formato de produção está presente no mundo da música há bons anos. Pra você entender disso tudo, o Portal KondZilla te explica a importância e a história dos samples ao longo do tempo.
Foto: Reprodução // Wikimedia
Direto e reto: sample nada mais é do que a amostra de sons, sendo eles trechos (ou partes inteiras) de músicas já existentes, instrumentos de forma isolada ou até sons do “dia a dia”, como o trem passando nos trilhos, uma buzina ou a chuva no telhado. Essa ideia surgiu na década de 40, quando uma galera decidiu fazer músicas através de pequenas amostras de sons já gravados – o que, inicialmente, era chamado de “Musique Concrète“. A parada era considerada meio psicodélica à época, mas alguns artistas ousados decidiram experimentar essa forma de produzir música, caso dos Beatles no álbum “Revolution 9”.
Com o surgimento da cultura hip-hop no final dos anos 70 e começo dos 80, os recortes musicais começavam a ganhar mais espaço entre os produtores. A história conta que os DJs alteravam as músicas que tocavam nos bailes, isso tudo na era do análogico e em apresentações ao vivo. Um dos primeiros trampos é atribuído aos produtores Grandmaster Flash & The Furious Five, na música “Freedom“, que utilizou trechos da música “Get Up and Dance“, do grupo Freedom. Se você ouvir as duas músicas, vai conseguir identificar essa semelhança.
Pronto, estava criada a cultura. Nos anos 80 e 90, o hip-hop e arte desse recorte se misturaram tanto que pareciam uma coisa só. Os produtores de rap se caracterizaram por utilizar trechos de outras músicas para formar seus beats. Essa cultura é tão forte, que existe um site que mostra os samples utilizados nas músicas mundo a fora – curiosamente, o site leva o nome de WhoSampled?. Até porque, uma das grandes “mágicas” dessa arte é se utilizar de trechos de músicas ou artistas que não explodiram no mainstream, principalmente de artistas americanos da velha guarda do funk ou jazz (e deixar outros produtores curiosos sobre a origem daquele som, afinal, quem gosta de entregar os segredos musicais?!).
No entanto, nem tudo são flores nesse campo. Com o boom na arte de samplear, surgiu um embate jurídico sobre a questão de plágio. Querendo ou não, boa parte dessas colagens são feitas de músicas de outros artistas, sendo que muitos deles não são avisados que suas músicas serão utilizadas por terceiros. Mesmo a produção de sons naturais ou industriais eram feitos de forma “profissional”, como exemplo, pessoas eram pagas para assobiarem ou baterem palmas, enquanto alguém gravava esse som para utilizar em músicas.
A jurisprudência brasileira e o entendimento jurídico no resto do mundo ainda é muito contraditório sobre o tema, sendo que a única certeza sobre o fato é você trocar uma ideia com o autor do som que você quer utilizar, antes de sair fazendo sample por aí.
Agora voltando a falar de história, essa parada de pegar trecho de música alheia deu bem certo no Brasil. Nos anos 90, com o rap em alta por aqui, vimos o Racionais MCs cansar de usar trechos de músicas de Tim Maia e Jorge Ben nos seus clássicos, como acontece em “Homem na Estrada“, que usou “Ela Partiu” do Tim Maia, e “Fim de Semana do Parque“, que pegou um trecho de “Domingas“, do Jorge Ben. Interessante pontuar também que os americanos já estavam de olho na música tupiniquim, exemplo de “Cinco Minutos“, também do Jorge Ben Jor, que foi sampleada pelo Black Eyed Peas, em “Positivity“.
Como já mostramos na explicação sobre as cyphers, rap e funk, mesmo sendo músicas oriundas da periferia, se estranhavam até pouco tempo atrás. Hoje em dia, com um intercâmbio musical e cultural maior, a troca de ideias aumentou e um passou a incorporar linguagens do outro. Com os samples não foi diferente.
Ah, mas tudo que usa a base de outra música é sample?! Não é bem assim. Um bom exemplo é “Só Quer Vrau“, do MC MM com o DJ RD. Essa música não utiliza um sample, e sim faz uma paródia com “Bella Ciao” que ficou famosa graças a série “La Casa de Papel“. Na paródia, ao invés de um trecho da música original, se utiliza do ritmo e da melodia de forma caricata.
Do início do tamborzão, até meados de 2015, o funk se caracterizou por usar pequenos recortes de instrumentos isolados, e não de pedaços inteiros de outras músicas – como é comum no rap. No entanto, isso mudou de uns dois anos pra cá. O funk paulistano, principalmente, passou a utilizar-se dos recortes de músicas estouradas e que nos fazem ter aquela sensação de “já ouvi isso antes”. É como no caso de “Oh Nanana“, do Bonde R300, que usou “Watch Out“, do rapper 2 Chianz, ou “Atura ou Surta 2“, que usa parte de “Mi Gente“, hit global de J Balvin. Agora você já sabe que se você tá ouvindo uma música e pensa “já ouvi isso antes”, não se trata de nenhum dom sobrenatural, talvez seja apenas um sample.