Editorial “Tropa da Lacoste” mostra como as quebradas de São Paulo produzem e consomem moda
Nas quebradas de São Paulo, a Lacoste é a grife mais usada. O artigo pouco acessível, por conta do valor que é vendido e onde pode ser encontrado, não impede que a moda exista há anos, pelo contrário, impulsiona e cria uma cena de ostentação e preciosidades. Essa é uma das várias ideias que o editorial ‘’Tropa da Lacoste” se propõe a trazer. Ilustrando toda uma tradição de uma cultura presente nas periferias, cola no Portal da KondZilla que eu vou te apresentar as fotos, conceito, história e cultura por trás desse trampo pesado.
O fato da Lacoste ser a grife mais usada nas favelas de São Paulo não é novidade para quem faz parte da cultura de rua das quebradas. Mas onde isso começou? Pelo funk, é claro! Ligados a ostentação que o gênero musical impulsionou e pelo lifestyle dos mcs como Neguinho do Kaxeta, Yoshi e Kelvinho de usar os itens de luxo, os quais não foram feitos para eles, subiu pra favela fazendo os adolescentes e jovens consumirem cada vez mais.
Vale comentar que um dos modelos do editorial é o trapper Kyan. É possível ver a forte cultura da Lacoste no trap da baixada do Kyan, mas que claro, também, tem referências e ligações com o funk. Inclusive, Neguinho de Favela, um dos produtores do editorial, é responsável pelo styling do trapper, outra parada foda que mostra que a cultura periférica constrói suas próprias referências.
Quando se coloca o discurso em questão de não ter sido feito para a quebrada, os apontamentos, um tanto quanto óbvios, não estão direcionados apenas ao conceito estético de se usar o produto em um sport fino, e sim giram em torno do valor que o produto chega no país e onde ele pode ser encontrado, ou seja, em Shoppings de elite. O editorial vem pra mostrar que um dos públicos mais latentes da Lacoste no país não está nas vitrines e nem na publicidade, ele está nas ruas. A criação do conceito de moda é tão inteligente que chega a atingir uma contracultura que transforma a grife em algo que é marginalizado.
Aqui em São Paulo se constrói uma forte paixão em esperar coleções que a Lacoste vai lançar para se ter o artigo que vai ser a mais chave do momento, mas que também depois, caso a pessoa queira trocar ou vender, consegue lucrar com um valor mais alto do que se pagou, já que o produto se torna um item raro. Alguns exemplos disso é a coleção Andy Roddick, que é possível encontrar acima de R$ 300 ou a coleção Cool Cats que é uma parceria entre Lacoste e o coletivo francês, lançada no inverno de 2011 cotada entre os colecionadores nos valores a partir de R$ 400.
Muitos lacosteiros encontram meios de vender, trocar a até mesmo discutir assuntos relacionados a marca em grupos de redes sociais, sobretudo, Facebook. É lá que é possível encontrar raridades ou até mesmo uma galera que consegue importar os artigos para vendas. Além disso, é importante destacar que dentro dessa cultura existem pessoas que se tornam referências do uso da marca, conhecidos por ter um acervo grande de peças ou de sempre estarem lançando tendências que vão viralizar nas quebradas.
Alguns dos signos que se criaram em cima desse novo conceito de moda estão a referência do “L” com a mão, fotos com várias peças no corpo – como por exemplo várias camisas no ombro ou vários bonés um cima do outro – , e o uso de letras de funk que falam da marca para legendar fotos. Ainda não podemos esquecer de mencionar que nos bailes de funk de São Paulo é cultural usar as “Umbrellas”, os famosos guardas-chuvas, e uma das marcas de Umbrellas mais desejadas desse rolê são as que forem da Lacoste.
É a subversão dos valores da moda porque temos uma marca a qual não foi feita pra quebrada, mas que se tornou um dos itens mais usados pelo público, o qual criou seu próprio conceito estético. Fato que a Lacoste virou um símbolo estético de andar “bem’’ e ser “chave’’.
É nítido que o editorial “Tropa da Lacoste’’ nasceu da necessidade que os os diretores criativos e stylists Neguinho de Favela e Samir Bertoli sentiram de retratar o que esse processo estético marginalizado é capaz de fazer: criar uma nova identidade do conceito do que é moda. Mostrando de forma artística, pelas mão da fotógrafa Amanda Adász, como se ressignifica e consome moda nas periferias de São Paulo. Trazendo uma enorme bagagem cultural, que para além de um editorial, conhecemos a cultura e potencialidade do que se é possível criar no Brasil.