Educação

Projeto “Incubadora” ensina jovens a serem MC e DJ

28.05.2019 | Por: Gabi Coelho

A inserção de jovens favelados no mundo do funk não é apenas subir no palco, dançar, tocar e cantar. O role exige mais trabalhos internos do que muitos possam imaginar. O Observatório do Funk, um coletivo político cultural, formado por advogados populares, comunicadores, articuladores sociais e produtores culturais têm construído em Belo Horizonte um projeto para auxiliar jovens artistas a lidarem com as delícias e as mazelas das profissões de ser MC e DJ em Minas Gerais.

Criada em maio de 2018, a Incubadora surgiu como uma proposta de qualificar profissionalmente as ações dos artistas que em sua maioria já produzem há um tempo, mas de uma forma artesanal, com poucos recursos. Um grupo pequeno, composto por nove jovens, de 16 a 29 anos, tem sido acompanhado pela assistente social Priscila Marinho e pelo produtor João Marcos, que se responsabilizam pelas aulas de posicionamento de palco, planejamento estratégico, plano de carreira, marketing, expressão corporal, figurino, musicalização e técnica vocal.

Durante 12 meses, a Incubadora promoveu encontros quinzenais, juntamente com pessoas que têm atuado pela cultura e pela garantia dela nas favelas do Brasil. Por lá, já aconteceram oficinas e debates sobre a história do funk, cenário político, raça e gênero, mídia, genocídio da juventude negra e a criminalização do funk. Também aconteceram eventos, nos quais os integrantes da Incubadora tocaram e cantaram.

Priscila conta que, ao longo dos últimos meses, houve um grande desenvolvimento no trabalho executado com os jovens, principalmente nas letras que, não necessariamente fogem do que conhecemos como funk de relato mas que têm uma certa consciência e responsabilidade. “Eles amadureceram e cresceram muito. Até no comportamento coletivo, quando estão na sala de aula, no grupo de Whatsapp ou no palco. Não só enquanto DJs e MCs, mas também no fato de ter clareza em como eles podem influenciar de forma muito grande o público que está assistindo. Na representatividade também.”

  • No aniversário de 1 ano, as dificuldades continuam

Manter o projeto tem sido um dos maiores desafios para o Observatório, devido às demandas financeiras para dar continuidade as aulas e nos encontros com parceiros que têm fortalecido o trabalho da Incubadora através da troca de conhecimento. Todos os DJs e MCs são de regiões mais afastadas do centro da capital mineira, muitos deles são de Ribeirão das Neves e precisam se deslocar quase 30km para participarem das rodas de conversas, ensaios e reuniões. Os profissionais que ajudam esses artistas são voluntários e geralmente pagam as passagens de transportes públicos e a alimentação dos integrantes. Um trabalho de equipe, feito com dedicação e amor para que cada vez mais pessoas possam entrar para o mundo da música e melhorar a realidade em que vive.

Outra questão, mas que não se torna um obstáculo para o Observatório do Funk, é lidar com pessoas que não têm fácil acesso aos espaços públicos e privados, e que acreditam que devido ao preconceito e racismo da sociedade, não podem estar inseridos nesses lugares. O fato de reforçar sobre a importância de ter corpos negros e favelados ocupando diversos locais, se torna uma forma de empoderar e mostrar a resistência que existe por natureza nessa juventude.

Seja no morro ou no asfalto, eles estão construindo suas trajetórias. Ao longo dos 12 meses, já se apresentaram em diversos bailes, inclusive um dos pouco legalizados em Minas Gerais, o Baile Funk da Serra, localizado na favela Aglomerado da Serra. Essa festas já aconteceram em favelas e também em locais privados, mostrando mais uma vez como o funk consegue movimentar a cultura e a economia dos espaços, independente de onde estão localizados.

O que era apenas um hobby, um sonho de menino, tem se tornado cada vez mais real. Como é o caso de Orsini Galastro, mais conhecido como DJ Sloth, de 27 anos. Morador de Nova Lima, Região Metropolitana de BH, ele não mede esforços para estar presente nos encontros, mesmo que por alguns momentos. Ele acredita que a experiência na Incubadora tem sido uma forma de se reconhecer como jovem periférico e artista do funk, além de acreditar mais em si e respeitar as mulheres, tocando músicas que não sejam cercadas por um discurso machista. “Muita gente acha que o funk é bom só na batida e outras pessoas consideram como coisa de favelado. E o que há de errado em ser favelado? Por isso eu gosto da Incubadora, lá a gente tem a oportunidade de se destacar no mercado, ter uma visibilidade e aprender mais sobre nossa cultura. Eles acreditam no nosso potencial e estão sempre dispostos a nos tornar artistas profissionais, com responsabilidade nas letras.”

Ocupando diversas plataformas digitais, DJ Sloth divulga seu trabalho no Youtube e Spotify. O lançamento de 2019 é o ‘Mega aquecimento pra elas’, feito em parceria com os MC’s Mr Bim, Saci, GW e Fabinho da Osk.

A desenvoltura também é meta nas dinâmicas feitas na Incubadora, até o mais tímido se joga no batidão e produz o que quer. Ivan Axel Marcello Barroso de Moura, o MC Jamaica, de 20 anos, não perde um role quando o assunto é funk. Sempre nas rodas de conversas, nos bailes, nas aulas e reuniões. Em entrevista ao Portal KondZilla, ele se mostrou grato e confiante com a iniciativa do Observatório. “Eu sou muito tímido, mas tem sido importante pra mim, tenho me esforçado pra evoluir como profissional e pessoa também. Lá eu aprendi a me comportar melhor, educar minha voz e ter ainda mais respeito com o meu público. Sou grato a Priscila, pela paciência e disposição em acompanhar a gente todos os dias, até quando não tem aula”.

MC Jamaica tem produzido algumas músicas e disponibilizado no Youtube. A mais recente, fala sobre o carnaval de Belo Horizonte, que tem se tornado um dos melhores do país.

  • É só o começo!

Os voluntários da Incubadora seguem fazendo acompanhamento com os artistas, entendendo a realidade de cada um, principalmente enquanto pessoas. A estratégia para organizar a carreira profissional dos DJs e MCs, é também de humanizá-los de forma que estejam preparados para o que eles tanto desejam: a fama. O trabalho continua e está aberto para quem quiser participar, seja como artista ou colaborador. No segundo semestre, o Observatório vai divulgar novas datas para as oficinas e encontros que serão mediados pela comunicação do coletivo.

Redes sociais do Observatório do Funk: Facebook e Instagram

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