Comportamento

Como estão alguns comerciantes de quebrada após um ano de pandemia: “Não pensei em desistir porque não tinha essa opção”

17.03.2021 | Por: Rayane Moura

Completamos um ano de pandemia, um ano em que a vida do brasileiro se transformou da noite para o dia. No dia 17 de março de 2020, foi confirmada a primeira morte no Brasil pela covid-19. Desde então, todo o país entrou em quarentena. De início era esperado que fossem apenas por 15 dias, o tempo foi passando, o número de casos aumentando, e hoje se completa um ano desde do início do isolamento social. Consequentemente, diversas empresas fecharam, pois não conseguiram sobreviver durante a pandemia. 

Segundo dados da Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca de 716 mil empresas fecharam as portas desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil. Desse total, cerca de 40,9% são empresas de comércio.

Os números correspondem a mais da metade de 1,3 milhão de empresas que estavam com atividades suspensas ou encerradas definitivamente na primeira quinzena de junho de 2020, devido à crise sanitária. E como os comerciantes de quebrada estão diante toda essa situação? Cola no Portal KondZilla e pega visão, pois separamos algumas histórias. 

Letícia Deobaldo Valias, 40 anos, é moradora do Parque Cecap em Guarulhos, e trabalha vendendo bolos e doces na quebrada há cerca de cinco anos. Antes da pandemia, ela trabalhava com as vendas em empresas, bazares, eventos e feiras livres. 

Com o início do isolamento social, Letícia precisou se adaptar e começou a receber as encomendas e vendas em casa. “Não pensei em desistir porque não tinha essa opção. Eu tenho que pagar as contas, não tinha muita essa opção. Então eu fiquei buscando alternativas, ainda não sou muito boa com Instagram e nessa pandemia eu comecei a postar mais e vender mais por lá, coisa que não fazia antes. Ainda estou aprendendo a mexer e lidar com tudo isso”, explica ela. 

Letícia vai com bastante frequência ao mercado e às vezes faz algumas entregas no bairro, por isso está sempre exposta ao vírus. Apesar da exposição constante, ela ainda não contraiu a doença: “É bem desafiador para o pequeno comerciante, porque a maioria de nós só tem o comércio. No meu bairro ninguém fechou não, alguns baixaram a porta, meia porta, mas continuam trabalhando porque não tem como fechar totalmente, não tem como fazer isso, já que as contas continuam chegando”, conta ela. 

A comerciante é responsável por fazer todos os bolos e doces para vender, além das compras de mercadorias, financeiro e divulgações nas redes sociais. “Não tem como o comerciante fechar. Eu entendo que a gente precisa conter a doença, mas é muito difícil você pensar na doença quando a sobrevivência, o sustento, está ameaçado. É assim que pago as contas, se eu não vender, não pago as contas. Não tem a opção de eu sentar num computador e esperar meu salário cair”, explica ela.

Atualmente Letícia recebe os clientes em casa para retirada dos doces e bolos. Para quem prefere receber, ela entrega e cobra uma taxa que varia de acordo com a localidade. 

Ana Lucia Ferreira dos Santos, 51 anos, é proprietária de uma padaria no bairro do Inamar, em Diadema. Há oito anos à frente do próprio comércio, ela nunca passou por uma situação parecida. Para conseguir se manter aberta, Ana precisou demitir a única funcionária que tinha. 

“As minhas vendas caíram em praticamente 50%, hoje eu tô contando moedas para conseguir me manter com as portas abertas. Eu não estou ganhando NADA, absolutamente NADA. Estou somente mantendo o comércio aberto”, explica Ana, que precisou se adaptar e passar o dia todo na padaria no lugar da funcionária que foi demitida. 

Atualmente Ana conta com a ajuda dos filhos para conseguir manter a padaria aberta. “Financeiramente estou quebrada e psicologicamente eu me reinvento todos os dias. A minha criatividade caiu em 50%, não tem como, as pessoas falam ‘ah você tem que se reinventar’, não tem como você se reinventar em um país que está falido”, conta. 

Assim como muitos na quebrada, Ana não fechou a padaria em nenhum momento durante a pandemia e apenas reduziu o horário de funcionamento. Nem ela, nem os filhos, nem funcionários, chegaram a contrair o vírus da covid-19. 

“Várias vezes já pensei em desistir e baixar as portas. Isso aqui é um sonho que  levei oito anos de trabalho para concretizar. E hoje, fechar as portas não dá, eu não tenho nem onde guardar o meu maquinário. O salão que eu trabalho é alugado, então eu teria que desfazer de todo o meu maquinário e começar do zero”, conta ela, que sempre teve a padaria na mesma quebrada.

Diferente da maioria, a padaria de Ana não possui redes sociais. Normalmente ela usa a lista de transmissão do WhatsApp para conseguir divulgar as mercadorias. “Hoje eu faço tudo aqui: pão, bolo, doces, salgados, aos sábados faço feijoada, mas mesmo assim está sendo difícil”. Além disso, as entregas são feitas somente em casos de grandes encomendas, como festas, o que não está acontecendo no momento. 

Jessica Matos dos Santos, 22 anos, é outra comerciante de quebrada. Moradora do Jd. Alzira Franco, em Santo André, começou a trabalhar no mercadinho/padaria da família ainda na adolescência, e há cerca de dois anos e meio assumiu a frente dos negócios. 

Assim como Ana Lúcia, Jessica não fechou em nenhum momento o comércio. “Eu não cogitei fechar as portas ou desistir, porque não tinha dinheiro guardado. A pandemia chegou de forma muito rápida e pegou todos de surpresa, então eu não pude fechar as portas, porque como eu ia manter a minha família e o meu próprio comércio funcionando? Não tinha como eu fechar, de forma nenhuma”, conta ela. 

Nem Jéssica, nem os familiares, ou os funcionários chegaram a pegar o vírus da COVID 19. Com o início do lockdown, o movimento caiu pela metade. “Está sendo muito mais difícil, o movimento caiu muito, as pessoas no começo da pandemia não tinha noção do risco que a doença trazia, elas tiveram na prática, com o começo da perda das pessoas”, explica Jéssica. 

“Agora o movimento está muito fraco, as pessoas estão muito receosas de saírem de casa. Mas a gente ainda tá conseguindo manter as portas abertas, funcionando com o horário reduzido”, explica ela, que diferentemente de antes que o mercadinho ficava aberto até as 22h30, hoje fecha antes das 20h.

Além de ficar na loja em tempo integral, Jessica sempre frequenta grandes atacados para fazer compras de mercadorias e notou um aumento de preços de um tempo para cá. Com isso, consequentemente ela precisou subir o valor em seu próprio comércio.  

“Tento lidar de forma positiva, eu tenho tentando passar isso para os meus clientes, o momento de agora está sendo muito valioso, eu tento abraçar com palavras. As pessoas que vem aqui e desabafa uma perda, então o mínimo de tempo que eu tenho para conversar eu falo coisas boas que podemos viver ainda, porque às vezes somos as únicas pessoas de fora que eles estão vendo, para tentar lidar de forma esperançosa”, explica Jéssica como está lidando com as situações. 

O mercadinho/padaria de Jéssica possui Instagram, e às vezes ela usa o perfil pessoal para divulgar os pães e doces. Em relação às entregas, são feitas apenas em casos de grandes encomendas, como para algumas empresas da região. “Eu acordo às 03h para assar e preparar os pães e o meu pai sai às 05h para fazer as entregas. Fazemos o desjejum de 15 empresas daqui e não perdemos nenhuma até agora, mas a quantidade de pães diminui bastante”, explica. 

Recentemente Jessica iniciou um curso de confeitaria para se aperfeiçoar mais e inovar nas vendas, com o inicio do lockdown, as aulas presencialmente estão suspensas sem previsão de volta. 

Assim como Letícia, Ana Lucia e Jéssica, muitos outros comerciantes de quebrada sentiram o impacto da pandemia. Sem nenhum tipo de recurso extra para fecharem as portas, arriscam as vidas para manter o sustento. Pega a visão, valorize e apoie os comerciantes da quebrada. 

PUBLICIDADE Flowers

Veja também

PUBLICIDADE Flowers