Reggaeton e funk, uma mistura caliente
Ainda que se conte nos dedos os artistas da América Latina que fazem sucesso no Brasil, a música brasileira sempre teve muita influência dos nossos vizinhos — de Caetano Veloso e “Soy Loco Por Ti America”, ao KLB com “A Dor Desse Amor” (uma versão de um hit do grupo porto-riquenho Son By Four), passando pela lambada da Kaoma, a “Lamba Funk” do MC Dentinho e os ritmos regionais do Pará. Em 2015, Tati Zaqui combinou o funk e o reggaeton, criando um estilo próprio em “Água na Boca”, que ela batizou de funketon. Agora, em meio ao novo boom do reggaeton, outros funkeiros, como o MC Guimê e seu mais novo trabalho, “Tá Doidona“, consolidaram essa mistura e o Portal KondZilla te dá mais detalhes dessa história.
O ano de 2017 foi o ano do reggaeton na música pop, com hits como “Despacito”, dos porto-riquenhos Luis Fonsi e Daddy Yankee, e “Mi Gente” do colombiano J Balvin. Enquanto uma vertente do funk carioca desenvolveu uma batida dura e acelerada conhecida como 150BPM, outros apostaram nesse balanço cadenciado do reggaeton. O MC GW, por exemplo, pegou o ponto da música do J Balvin em “Atura ou Surta”, e depois consolidou a mistura com um “nuevo movimento para as chicas” em “Ritmo Mexicano”. Essa última é sucesso até no Pará, com a versão tecnofunk do DJ Lorran.
Apesar do GW falar em México, o reggaeton surgiu nos anos 90 nas boates de San Juan, capital de Porto Rico. A história é parecida com o funk: uma música de festa, mas que também dava espaço a críticas políticas e denunciava a pobreza, o racismo e a violência policial contra a população da periferia. Hoje, sucesso nas rádios, o reggaeton também passou por um período de criminalização e censura, mas, ironicamente, isso acabou levando o gênero a novos públicos.
Musicalmente, o reggaeton tem elementos de toda bacia do Caribe, só que o elemento mais marcante é a sua batida suingada. Os DJs porto-riquenhos fizeram uma apropriação criativa do “dembow riddim”, um beat tradicional do dancehall jamaicano, registrado pela primeira vez na música “Dem Bow”, do cantor Shabba Ranks. Curiosamente, essa base musical é muito similar ao arrocha. Quem sacou essa proximidade foi o MC Reizin, que lançou “Ela Desce ao Som do Reggaeton, Ela Quebra no Pique do Arrocha”, produzida pela Iasmin Turbininha em parceria com o próprio MC.
MC Reizin | Foto: Reprodução // Facebook
Conhecido como “Rei do Afronta”, Reizin diz que “sempre procura levantar a moral das mulheres” e que busca constantemente “escutar elas, perguntando o que falta nas músicas e fazer as mulheres como as ‘brabas’, não os homens”. O cantor carioca também explicou o motivo do arrocha/reggaeton ter entrado no seu repertório.
“Aqui no Rio tá dominando esse ritmo acelerado [150BPM e Arrocha], e no reggaeton eu encontro isso. Ele meio que parece com o arrocha, e o arrocha entrou no funk porquê as mulheres gostam. O swing parece bem perto, a batida seca lembra um pouco o funk”, explica ele, que teve GW e Jerry Smith como inspirações. Reizin também prepara uma nova música nessa linha: “Ela Quebra com as Amigas” que ainda vai ser lançada. “Eu tenho buscado inovar bastante. O mercado tem pedido a mistura dos ritmos, a união das batidas”, completa.
A influência do reggaeton soa também no pop funk. No ano passado, Anitta fez uma parceria com o astro colombiano Maluma, e logo na sequência Ludmilla lançou um remix de “Otra Vez”, dos também colombianos Zion & Lenox. “Você Partiu Meu Coração” (de Nego do Borel com Anitta e Wesley Safadão) e, principalmente, “Loka” (de Simone & Simaria novamente com participação de Anitta) também são marcadas pelo toque lento e swingado do Caribe. Antes disso, em 2015, Tati Zaqui e o DJ Perera transformaram a batida rasteirinha num genuíno funketon em “Água na Boca”.
O pioneiro da mistura de reggaeton com funk é o MC Papo, com músicas como “Radinho de Pilha”, e o hit nacional “Piriguete”, de 2008. Filho de pai belga e mãe brasileira, ele viveu dos 11 aos 14 anos em Bruxelas, quando aflorou em si um sentimento de latinidade, tendo até uma tatuagem nas costas escrito “orgulho latino”.
“Quando morei lá, vivi num bairro de periferia, entre negros e árabes, ambos africanos. Sempre fui aceito, mas sabia que não fazia parte integral nem do lado dos brancos nem dos africanos. O reggaeton me representou de maneira que o rap nunca conseguiu me representar”, contou o MC, em uma entrevista de 2011.
Papo acredita que esse espaço para o reggaeton só foi aberto graças a rasteirinha, um ritmo arrastado que tem influência direta do samba, com uma levada em 96 BPM — como acontece em “Olha a Explosão”, do MC Kevinho, “Pam Pam Pam” do MC Dede, “Perdendo a Linha” da MC Pocahontas, e a já citada “Água na Boca” da Tati Zaqui.
MC Papo | Foto: Reprodução // Facebook
“O fato da galera de São Paulo ter aceitado a diminuição do BPM — as rasteirinhas, essas músicas com uma pegada ragga, tipo MC Japa, MC Romântico, as primeiras da Tati Zaqui — foi o que abriu a porta pro reggaeton entrar no Brasil. Só o fato de fazer isso [aceitar a diminuição do BPM] causou uma explosão de criatividade”, aponta o MC, que este ano lançou o reggaeton “Crush”, e o moombahton (mistura de house e reggaeton) “Faz Macete“.
O funk vive um momento de abertura, indo da batida arrastada das rasteirinhas, ao ritmo louco do 150 BPM. Para Papo, essa diversidade representa um caminho de liberdade para os músicos. “Quanto mais os DJs tiverem a vontade de tocar músicas com diferentes BPM, tipo assim, chutar o pau da barraca e liberar tudo, aí o funk vai evoluir pra tudo quanto é lado, porque você vai possibilitar a criatividade dos caras. No momento, está todo mundo preso no mesmo formato, 130, 130, 130. Agora já entrou o 96. E se liberar geral e você puder fazer no BPM que você quiser, aí vai ter uma explosão no gênero”, conclui.
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