“Quero mostrar para as mulheres e homens negros da minha cidade natal que as coisas podem dar certo”, conheça Bábi Batista
Hoje é dia de Conte Aqui Sua História, espaço da KondZilla que você pode vir contar do seu corre, e quem aparece por aqui hoje é a Bábi Batista, que se encontrou na costura desde cedo e hoje vive o sonho de viver somente do que ama. Se liga:
“Meu nome é Bárbara Batista de Freitas. Sou filha do meio dos meus pais. Sou natural de Pirapetinga, uma cidadezinha de cerca de 10 a 15 mil habitantes na zona da mata de Minas Gerais.
A minha infância foi bem tranquila, como qualquer pessoa do interior. Sempre brinquei na rua e tive liberdade pra ser criança. Por ser uma cidade pequena, lá tinha um sentimento de comunidade, em que os adultos cuidavam das crianças. Sempre que brincávamos na rua, algum adulto vinha olhar.
Meu pai trabalhava o dia inteiro e minha vó e minha tia paternas moravam nos fundos da nossa casa. Um dos meus sonhos de infância era ser bailarina e eu era super circense, andava em corda bamba, me pendurava em árvores.
Meus avós maternos tiveram 19 filhos, e enquanto era criança somente duas tias eram casadas. Mesmo a gente sendo bem pobre, ganhávamos bastante brinquedos das nossas tias. Eu tinha muita boneca, amava brincar de barbie.
Nessa época, minha mãe ainda costurava, mas ela não deixava eu mexer em nada, mas ela sempre fazia roupa pra mim e pras minhas bonecas. Eu vivia pegando os retalhos do chão pra fazer roupinha pras minhas barbies. No começo, eu fazia só amarrando, mas com o tempo, fui fazendo com agulha de mão, e eu fazia de tudo: roupa, sapato, bolsinha, tudo de pano.
Teve um natal que minha tia Gaída me deu uma mini máquina de costura, que tinha sido dela. Eu aprendi a usar e comecei a vender roupinha de boneca na escola. Também comecei a costurar bico de pano de prato com a mãe de uma das minhas amigas da rua em que morava. Ela pagava 50 centavos e isso foi um incentivo pra mim porque com esse dinheiro, eu comprava bala e biscoito na escola, e também era uma forma de aprender mais sobre costura.
Minha mãe era muito ocupada com os compromissos da igreja, e quando ela saia, eu corria pra máquina dela. Um dia, ela me pegou fazendo um macacão com retalhos de moletom e eu morri de vergonha, mas minha mãe ficou admirada com a minha habilidade.
Depois desse episódio, comecei a fazer várias outras coisas, principalmente transformação nas roupas da minha mãe. Na época, minha tia trabalhava na casa da Dona Vera Stefanini, esposa do ator Fúlvio Stefanini, e ela sempre mandava roupa pra gente. As que não serviam na minha mãe, eu pegava e transformava em roupa pra mim.
Quando fiz 15 anos, fiz um book de modelo, que era moda na época. A Dona Vera até chegou a levar em agências, mas eu não me imaginava como modelo. Não tinha contato com esse mundo e a única modelo negra que eu conhecia era a Naomi Campbell. Na época, eu já estava ficando consciente das coisas, e sabia que era mais difícil para pessoas negras. Mas eu sabia que queria trabalhar nos bastidores, ser costureira.
Em 2007, me mudei pro Rio de Janeiro, morei dois anos lá, onde fiz um curso de modelagem. Voltei pra Minas e trabalhei em uma confecção. Minhas chefes eram duas mulheres negras e elas gostavam muito de mim.
Eu sonhava em vir morar em São Paulo. Tinha o plano de bater numa igreja e explicar minha situação e pedir ajuda. Nisso, meu primo me chamou pra morar na casa dele e eu me dei três meses para arranjar um emprego e arranjar meu próprio lugar.
Antes de completar um mês, comecei a trabalhar em um escritório e eu sentia muito frio. Quando meu pai trouxe minhas coisas de costura para SP, voltei a costurar nas horas vagas. Eu fazia capas de livros e bolsas pra vender na faculdade, fazia minhas roupas.
Na época, eu tava cursando Direito e era uma frustração muito grande entrar na minha casa porque eu via o meu ateliê de costura parado, que era o que eu realmente gostava. Cogitei vender as máquinas, mas iria me doer muito.
A primeira casa que aluguei foi no Capão Redondo, onde morei por três meses até me mudar para a casa que moro até hoje. Em 2018 comecei a ser voluntária no Centro de Convivência e Defesa da Mulher, que ajuda mulheres vítimas de violência doméstica. As meninas de lá viviam me incentivando a trabalhar com costura, até que a gerente de lá me apresentou um professor de balé que me chamou para criar as roupas de sua apresentação. No dia do espetáculo, ele pediu para que o público me aplaudisse porque se não fosse por mim, nada teria acontecido. Fiquei muito emocionada.
Nesse mesmo ano comecei a viver de costura. Criei o Panos da Perifa, fui trabalhar num abrigo que acolhia mulheres vítimas de violência doméstica. Quando saí, consegui viver somente com a costura. Ano passado, vivi só costurando máscara.
Recebi do meu amigo Márcio a proposta de fazer vídeo aulas para ensinar a costurar, e aí dessa ideia, surgiu um livro, que é um romance em que a personagem ensina a costurar. A personagem principal se chama Odara Carolina, e o nome surgiu depois de uma conversa que tive com a minha vó paterna, em que tive conhecimento que minha tataravó, que foi escravizada, se chamava Ana Carolina. É uma homenagem e um jeito de eu buscar minha ancestralidade.
Nesse meio tempo, a estilista Cíntia Felix, proprietária da grife AZ Marias, me fez a proposta de fazer a modelagem da coleção dela. As peças saíram em abril na Vogue Brasil e no fashion film em julho, do São Paulo Fashion Week. Trabalhar com a Cíntia me agregou muito. Ela me ensinou a calcular meu tempo de trabalho, e comecei a pensar mais na minha carreira.
Em parceria com o Márcio e a Rafa criei o Atelier Bábi Batista e estou criando minha primeira coleção. São seis peças de alfaiataria, mas no moletom, todas criadas por mim. Estou fazendo tudo com muito amor.
Quero mostrar para as mulheres e homens negros da minha cidade natal que as coisas podem dar certo”, contou Bábi Batista.
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