Ninguém disse que seria fácil

18.06.2018 | Por:

Mais um jogo do Brasil, mais uma crônica do Leandro Marçal ao Portal KondZilla:

Pensei que já estava tudo certo na sexta-feira, mas não tive uma vitória definitiva na entrevista de emprego. Passava da hora de vir uma recompensa, depois de tanto acordar cedo, tomar um café forte para despertar de vez e colocar um monte de envelopes pardos embaixo do braço. Neles, vários currículos. Na mente, um discurso pronto e decorado.

Antes do jogo, comentei com a rapaziada de sempre sobre os últimos dias de ônibus lotados, sol, chuva e perrengues. E de certo desânimo. O Luiz e o Henrique pediram para ter paciência. Ninguém disse que seria fácil, a vida é assim. Às vezes, passamos por um grande aperto, mas menor que a realização aguardada. Concordei e fui pegar mais uma latinha de cerveja no grande isopor com gelo.

Já não era o mesmo ponto de encontro de quatro anos atrás e eu sabia os motivos: as camisas, a marca de cerveja e as casas do Marcos, do Sérgio e do Breno deram azar nas últimas três últimas Copas. Melhor mudar tudo.

Pensei que era bobagem até os 19 minutos do primeiro tempo. O foguete lançado por Philippe Coutinho fez voar cerveja, camisas, catuaba, refrigerante, carne. Fez voar a falta de esperança em dias melhores. Agora seria tudo diferente, começamos bem. Sorrisos, comemoração, abraços e a garganta aquecendo para os próximos gols.

Algum inocente achou que seria fácil para a seleção brasileira?

À beira do gramado, Tite era a certeza dos novos dias. Com uma roupa elegante, dava gritos firmes e não muito altos para instruir cada um em campo. Trazia ânimo para cada um de nós. Mexia o corpo daqui e dali, como se pudesse interferir diretamente nas jogadas até a próxima comemoração.

Fomos para o intervalo e peguei mais uma cerveja. Ninguém queria comemorar de garganta seca. A certeza de mais alegria nos próximos 45 minutos tomava conta de nós. Já estava escrito, parecia.

Pena que não lemos bem. Um tal de Zuber rabiscou nosso caminho e de cabeça empatou o jogo, logo aos 3 minutos do segundo tempo. De repente, a bebida esquentou, a carne esfriou, o ânimo fugiu, tudo escureceu. Que coisa estranha tomar gol de um jogador com nome de aplicativo, comentamos. Sentimos o mesmo empurrão no Miranda e caímos. Mas, não adianta reclamar ou chorar, só correr atrás do prejuízo.

Também doía em nós cada pancada recebida pelo Neymar. No tornozelo, no pé, um puxão de camisa, outro empurrão. Em campo, ele vivia meus dias de entregar currículos e receber negativas. Precisava tirar a esperança do mais fundo de algum lugar desconhecido.
Mesmo quando o Gabriel Jesus foi agarrado dentro da área, o juiz não foi capaz de ouvir nossos gritos de gargantas molhadas, denunciando o pênalti. Nem pôde ver as latinhas caindo no chão e seu líquido escorrendo. Ninguém piscou ou pegou um pano para secar aquele desperdício.

Moradores do Jardim Peri, bairro de Gabriel Jesus comemoram participação do jogador*Foto por: Rovena Rosa // Agência Brasil

Como nos dias em que não recebo a ligação me informando novidades profissionais, o nervosismo cresceu. Nessas horas, parece estar tudo errado. Há zagueiros no nosso caminho impedindo de seguir em frente, carrinhos por todos os lados, não conseguimos marcar um mísero golzinho. A vitória pode até escorrer pelo ralo, mas não é o fim de tudo.

Não perdemos, mas ficou um gosto estranho, de que faltou uma atitude a mais para ganhar aquele jogo, aquele trabalho. Se não jogaram água na cerveja, faltou gelo.

Ainda tem chão. Serão mais partidas para jogar, outros currículos para enviar. Nada está perdido, nem ganho. Essa incerteza nos move até sexta-feira, quando tudo recomeça contra a Costa Rica às 9h.

Quando ia embora da casa do Luiz, ele me avisou mais uma vez. Espero que Tite e os seus, num milagre que só a Copa do Mundo é capaz de realizar, tenha ouvido, lá do outro lado do mundo. E que nos próximos dias, eles possam nos dar uma resposta.

– Ninguém disse que seria fácil, cara. Até sexta!

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