Educação

Livros pra quem é da quebrada produzido pela quebrada

30.07.2019 | Por: Fernanda Souza

Você tem o hábito de ler? Pois é, um livro, aquele objeto geralmente apresentado na escola cheio de páginas com letras que parecem não acabar mais e com histórias que não foram escolhidas pela gente. Você deve ter motivos para não gostar ou ter se afastado dessa vivência, mas nós do Portal do Kondzilla separamos alguns livros produzidos por pessoas de quebrada que vão te fazer dar uma segunda chance pro hábito da leitura.

Um pouco mais sobre essa história do hábito de ler

Muito se fala e se discute sobre o hábito de leitura no cotidiano brasileiro, sobretudo a leitura de livros. Na quarta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil— 2016, realizada pelo Instituto Pró-livro e executado pelo IBOPE Inteligência, podemos chegar no assunto do quanto a leitura é mais difícil pra nós da quebrada. As pesquisas mostram que as pessoas que ganham entre 5 a 10 salários mínimos são as compradoras e consumidoras de livros no Brasil, ou seja, classe A, B e até mesmo a C.

A escola não nos apresenta o livro como algo atrativo. Ou vai dizer que era muito prazeroso ler Luís de Camões ou ainda aqueles romances como “A moreninha”? E tantos outros exemplos que eram “tão interessantes” que nem lembramos. Não tem como ser um hábito se o assunto é introduzido com sofrimento.

Sim, a gente te entende! Os livros costumam ser de temas desinteressantes, a linguagem difícil (no caso dos clássicos com português antigo), a abordagem do assunto sem atrativo e a leitura como cobrança. Sem contar no desafio, que rola até com quem gosta de ler, de sentar e folhear as páginas com paciência.

Porém, uma galera de favela e do movimento literatura marginal periférica estão produzindo muito conteúdo que você certamente vai se interessar. Dá uma atenção!

#”Capão Pecado” (2000), do Férrez

Uma história de amor que tem como cenário o bairro do Capão Redondo, periferia de São Paulo. Mas não é uma história de amor cheia de flores e nem de final feliz, já que ela conta com personagens que passam por situações violentas que atingem as comunidades paulistanas, principalmente a do protagonista Rael.

O livro nos apresenta personagens emocionantes que estão muito próximos à realidade e cenários do extremo da sul da capital como a represa Billings. A linguagem é muito clara porque usa palavras simples. Sem contar que o uso da gíria é constante para que o leitor consiga entrar no contexto da história de cabeça.

Para te deixar curioso, uma citação do autor Ferréz, também cria do Capão, sobre o livro: “da trairagem, nem Jesus escapou’’.

#”Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada” (1960), da Carolina Maria de Jesus

Da extinta favela do Canindé, a qual hoje abriga a Marginal Tietê, Carolina Maria de Jesus é a autora desta obra que é um diário do cotidiano da favela em São Paulo. Autodidata, pois aprendeu a ler e escrever sozinha com os livros e revistas que recolhia nas ruas, era catadora de lixo e documentava suas vivências diárias num caderno com dia, mês e ano.

Sua história de vida nos deixa um relato impactante de como era viver na década de 50 sendo negra, mãe solo de três filhos e sem escolaridade. O livro é uma denúncia da pobreza por meio de quem realmente tem lugar de fala para falar da realidade, sem romance. É importante destacar que na obra contém erros básicos de concordância e de ortografia, do ponto de vista da norma padrão da língua portuguesa, pois ela não foi escolarizada.

A obra retrata, também, a dura vivência de mulheres na sociedade. “A noite enquanto elas pede socorro eu tranquilamente no meu barracão ouço valsas vienenses. Enquanto os esposos quebra as tabuas do barracão eu e meus filhos dormimos socegados. Não invejo as mulheres casadas da favela que levam vida de escravas indianas. Não casei e não estou descontente [sic].”

#”Colecionador de Pedras” (2007), do Sérgio Vaz

Quem tem interesse em poemas vai gostar do livro e, principalmente, do autor, porque os textos vão dialogar com o cotidiano da periferia de uma forma muito simples mas extremamente reflexiva. Em ‘Colecionador de pedras’ você encontrará na poesia muitas histórias de pessoas reais e reflexões tão comuns que certamente vai se ver representado.

O mais encantador do livro é que os poemas falam sim sobre sofrimento e luta diária, mas exaltam muito mais as coisas belas, incríveis e gratificantes do dia a dia da quebrada. Os poemas são curtos e a linguagem muito mais que acessível, é o dialeto das pessoas comuns. Aí vai uma palinha do livro:

PÉ-DE-PATO
Bruno matou a mãe
matou o pai
os irmãos
os avós
os vizinhos;
Matou todo mundo de saudade
quando foi pra faculdade.

Aliás, já falamos com o Sérgio Vaz em 2017, confira a entrevista no Portal Kondzilla.

#”O Livreiro do Alemão” (2000), autor Otávio Cesar Junior

O livro é um relato pessoal que conta a história de Otávio, cria do morro do Caracol no Complexo da Penha (Rio de Janeiro), e criador do projeto “Ler é 10” – Favela’’ no Complexo do Alemão (Rio de Janeiro). Projeto desenvolvido com o intuito de incentivar a cultura da leitura nas crianças que moram na comunidade.

Para se ter uma ideia, o livro conta com relatos emocionantes como o fato de Otávio aos 8 anos de idade ter encontrado um livro no lixo que mudou sua vida porque despertou seu interesse na leitura, um mundo até então desconhecido. Sem contar na visão de várias questões sociais no morro como o tráfico e a educação. Muito aprendizado essa leitura pode trazer ao leitor.

#”Sobrevivendo no Inferno” (2018), Racionais Mc’s

Para finalizar essas indicações com chave de ouro, não poderia faltar o livro que veio pra bagunçar, literalmente, o raciocínio do mundo literário e acadêmico. ‘Sobrevivendo no Inferno’ é um álbum clássico do rap nacional incluído na lista obrigatória de leitura para o vestibular da Unicamp e que virou livro. Para saber mais dessa história que rolou ano passado, dá uma lida na matéria aqui no Portal Kondzilla.

Na obra você irá encontrar as letras das músicas do álbum, fotos inéditas, informações interessantes sobre o grupo, textos do poeta Sérgio Vaz e do rapper Criolo. Além disso, um prefácio, que é um texto de abertura em um livro, do professor Acauam Oliveira da Universidade de Pernambuco com o título “O Evangelho Marginal dos Racionais MC’s“. Pegou a visão do que vai encontrar nesta obra?

Mas como e onde encontrar os livros?

Uma coisa muito legal que você pode fazer é procurar os livros nos acervos do Sistema Municipal de Bibliotecas, que conta com equipamentos culturais físicos e virtuais. Se você entrar no site, poderá fazer a pesquisa dos livros que apresentamos e até mesmo de outras obras literárias que possam despertar sua curiosidade. É só clicar em pesquisa no Catálogo Online.

Porém, muita atenção porque você precisa fazer um cadastro e obter um cartão de empréstimo para poder pegar qualquer livro que quiser ler nessas bibliotecas, inclusive sem pagar nada. Sim, o empréstimo é de graça e qualquer pessoa pode fazer, ou seja, não há limite de idade.

É necessário alguns documentos para emitir essa inscrição e ter acesso aos empréstimos, confira no regulamento de empréstimo. Além disso, confira no site Sistema Municipal de Bibliotecas o equipamento mais próximo de sua quebrada, tem biblioteca, CEUS(Centros Educacionais Unificados), ônibus que andam pela cidade e funcionam como bibliotecas itinerantes, escolas e outros.

Separamos os links dos livros que indicamos que estão no Catálogo Online para facilitar sua vida. Só clicar nos nomes das obras e pesquisar onde tem e se está disponível para empréstimo.

Capão Pecado, Ferréz
Quarto de despejo: diário de uma favelada, Maria Carolina de Jesus
Colecionador de Pedras, Sérgio Vaz
Livreiro do Alemão, Otávio Junior
Sobrevivendo no Inferno, Racionais Mc’s

Ainda, eles são vendidos em muitas lojas virtuais e físicas, o que te dá uma variedade de valores. Existe até sebo virtual disponibilizando o livro por preço acessível.

Pronto, agora é só dar uma segunda chance para leitura, não tem desculpa depois desse tanto de referência. O bom desse hábito, é que você enriquece suas experiências e ainda fortalece o corre da literatura que é produzido por quem é da periferia. O legal é que você pode ler em qualquer lugar, inclusive no transporte de casa pro trabalho – que muitas vezes é longo. Assim, você não perde tempo e se informa.

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