De Dadinho a Acerola, Douglas Silva representa o cinema nacional
Todas as fotos por: Rui Mendes // Divulgação
Há diversos casos de pessoas que são de periferias que ganham o mundão através de arte, nas mais variadas vertentes. Nós, do Portal KondZilla, trocamos ideia com uma figura que representa isso muito bem. Douglas Silva é uma das referências da periferia nos filmes nacionais, tem no currículo “Cidade Deus” e “Palace II“, que são dois dos principais trabalhos nacionais, reconhecidos mundialmente, isso sem falar nos prêmios individuais e seu mais novo trabalho na Netflix, como um dos personagens na série “Samantha“.
Certamente você já ouviu falar do personagem “Dadinho” do filme Cidade de Deus ou do Acerola no filme e série “Cidade dos Homens”, ambos interpretados por Douglas Silva, cria da Favela da Kelson. Silva começou cedo no teatro e acabou ganhando as telas do país a fora com seus personagens marcantes que representam a vivência do jovem negro carioca, seja pelo acesso ao mundo do crime desde pequeno como Dadinho, ou como viver cercado de problemas sociais como Acerola. Conversamos com o ator que estrelou nesse ano a série Samantha e foi um prazer bater um papo com ele.
KondZilla.com: Fala, Douglas! Pra começar, quero saber se você sempre mexeu com arte…
Douglas: Cara, comecei fazendo teatro com 8 anos de idade, um projeto da ONG Enda Brasil na escola onde eu estudava, EM Prof Souza Carneiro na Penha, do lado da comunidade que eu morava, eu sou da Favela da Kelson [Zona Norte do Rio de Janeiro].
KDZ: Foi daí que surgiu a oportunidade de participar do Cidade de Deus?
Douglas: Nesse tempo de teatro, acabei fazendo teste para o filme, fiz as oficinas e acabei passando para um teste pro “Palace II”, que foi um curta metragem que a O2 Filmes fez para o Brava Gente, isso tudo dentro das filmagens do “Cidade de Deus”. “Palace II’ foi meu primeiro trabalho na televisão.
KDZ: Como foi protagonizar a infância do Dadinho, no Cidade de Deus?
Douglas: Então, na época eu não tinha muita noção da importância do meu personagem pro longa. Foi legal ter a preparação de dois meses para fazer o personagem. Depois de ver o trabalho feito e ver a repercussão do trampo, pô foi um máximo né?! Eu faço parte do filme que marca o cinema brasileiro. Brasileiro não, mundial né?!
KDZ: Até hoje, tem muita gente que conhece o Dadinho, ele foi um personagem que marcou o cinema brasileiro mesmo. Quando você percebeu a importância do seu personagem?
Douglas: Na verdade, eu só fui ter noção depois de gravar “Cidade dos Homens” e ver quantos países o filme estava indo, quantos países o filme estava sendo lançado, as matérias dos jornais, só depois que fui perceber esse aspecto de representatividade. Eu, um garoto de favela, retratando a realidade de outro garoto de favela, mesmo sendo realidade opostas dos personagens….. até hoje a ficha não cai. Ano passado mesmo, acabei indo viajar pra China, para um festival de cinema e “Cidade de Deus” era um dos filmes que estavam por lá como clássico. Mano, eu fui falar na China, uma parada muito louca!
KDZ: E agora trazendo um pouco pro Acerola, personagem do “Cidade dos Homens”. Como você viu essa transição entre Dadinho e Acerola?
Doulas: É engraçado que são duas realidades opostas, com aquela violência ali presente né?! São épocas diferentes, mas você vê que a vivência é a mesma. Um flertou mesmo com o tráfico, namorou, casou e o outro não. Interpretar o acerola foi importante porque a gente retratava a realidade atual das comunidades, realidade de um garoto jovem, que tem 16 anos, vai ser pai, não tem o auxílio dos pais, não tem o pai presente e a mãe trabalhadora que tem que sustentar a família, onde ele tinha um amigo que fechava com ele pra tudo e pronto. O bom é que [a série] Cidade dos Homens, cada temporada retratava um problema social diferente e o mais importante de tudo é saber que eu fiz um trabalho que representa várias pessoas dentro da favela, que quando eu ia pra pista a galera se identificava, tinha uma galera da pista se identificando. Ali no Cidade dos Homens que caiu a ficha, virei referência.
KDZ: E sobre seu mais recente trabalho, a série Samantha! Foi muito diferente de fazer?
Douglas: Então, é um comédião né (risos)?! Eu fiz o teste pra participar da série e pô, foi um desafio. Eu nunca tinha feito nada nessa linguagem, é um personagem novo, um personagem diferente, mais cômico. Como desafio, foi muito bem feito. O diretor gostou, rolou muita entrega da nossa parte, rolou química por conta da família. O Cauã Gonçalves e a Sabrina Nonato me ajudaram a me sentir parte dessa família.
KDZ: Seus grandes trabalhos foram sempre falando sobre realidades e coisas atuais, é uma questão de se sentir representado no papel?
Douglas: É sempre bom a gente falar sobre assuntos atuais. Hoje em dia estamos bastante polêmicos de um ponto de vista positivo, politizado, querendo falar sobre tudo e isso é bom, porque a gente passa as informações. Tem coisa que minha filha mesmo viu, coisas que ela não sabia e me perguntou. E eu tendo que explicar para minha filha de 6 anos, saca?! É muito bom ela se interessar sobre alguns assuntos, as crianças estão cada vez mais espertas.
KDZ: Com 16 anos de carreira, qual foi o maior perrengue que você já passou?
Douglas: Eu posso te dizer que hoje em dia não, mas antigamente tinha a questão das opções de papéis pra fazer, personagens para interpretar. Na minha geração só tinha um nicho de personagens, hoje em dia não.
KDZ: Isso está ligado a estereótipos?
Douglas: Foi basicamente isso. Por ser negro, na minha época poucos autores e diretores convidam negros para atuar como advogados, médicos… Hoje em dia não, é por isso que esse boom de séries [Samantha] eu tô achando um máximo, são variedades de personagens e essas empresas estrangeiras têm uma visão maior sobre diversidade, se comparado aos autores e diretores daqui.
KDZ: Deixa um recado para a galera que quer seguir o corre do teatro e é de periferia!
Douglas: Independente das adversidades, a gente tem que ser persistente no nosso sonho. Eu, por exemplo, não vou falar que nunca pensei em largar minha carreira de ator, lógico que já pensei, nenhuma profissão são somente flores, mas quando você faz aquilo que você gosta você tende a suportar certas coisas.
Em qualquer profissão você vai engolir sapo, se é o que você quer mesmo, pode persistir e insista que você vai conseguir, um grande exemplo fora do teatro é o Nego do Borel, a história dele é sensacional e olha onde ele tá. Hoje é referência, faz hits internacionais, veio da favela, o cara insistiu no sonho dele. Essa é a mensagem que eu passo pra galerinha que vai ler, vamos virar referência. Não pode se perder, a gente já saiu de um lugar que é marginalizado, então vamos virar referência pra essa galera, há caminhos, o tráfico tá ali de butuca, a violência está ali escondida, mas a arte também está.
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