Do Brás para quebrada: o corre das minas que são donas de comércios na periferia
Basta dar poucos passos por qualquer quebrada que você vai encontrar diversos comércios locais, como bares, lojinhas de roupas, mercadinhos, barbearias, entre outros. Muitos deles são chefiados por mulheres, as quais conciliam a vida empreendedora e familiar, como ir ao Brás fazer compras e trazer para revender na quebrada. Pensando nisso, a KondZilla resolveu bater um papo com algumas dessas minas, que fazem toda essa correria durante o ano. Pega a visão!
“No início do meu namoro, Jônatas e eu ficamos desempregados,e decidimos empreender juntos. Não tínhamos loja física e vendíamos porta a porta, pelo Instagram, Facebook e grupo de WhatsApp. Alguns clientes iam até minha casa, pois toda a mercadoria ficava no meu quarto. As entregas eram feitas a pé para economizar o dinheiro para investir em mais mercadoria”, relembra Michele Moura, dona da loja ‘’Mih Modas’’ localizadas no Grajaú e Capão Redondo, sobre o começo do seu rolê no empreendedorismo.
A jovem, de 22 Anos, é nascida na Bahia, mas foi criada na zona sul de São Paulo. Além das duas lojas físicas, ela ainda tem um e-commerce, o qual é um lugar destinado somente para vendas on-line, um site para aquelas que moram longe e desejam adquirir as peças. A realidade dela é a de muitas no país, pois atualmente, cerca de 30 milhões de brasileiras empreenderam até 2021, segundo dados do Global Entrepreneurship Monitor, conforme a Rede Mulher Empreendedora.
O empreendedorismo está presente nas principais favelas do país. São mais 289 mil comércios registrados nas mais de 6 mil comunidades em todo o Brasil. Só no G10, bloco liderado pelas dez favelas mais populosas e com maior potencial econômico, são 125 mil empresas com CNPJ ativos, correspondendo a 43,5%. E o comércio chefiado por mulheres, é o que mais cresce. Michele é o corre, literalmente, pois além de chefiar a empresa dentro do setor administrativo, também faz o trampo de ir no Brás comprar suas mercadorias para a loja.
“Eu mesmo escolho as peças a dedo, dá um trabalho danado! Perdi a noite sem dormir para buscar mercadoria e cheguei a ficar virada várias vezes. E sem contar que acaba tudo rápido, se você não for de madrugada não acha nada”, completa Michele.
Assim como Michele, a Leticia Freitas, de 23 anos, cria do Parque Capuava, em Santo André, e é outra empreendedora de sucesso. Mãe da Maria Julia Freitas, de 1 ano e 10 meses, ela é proprietária de duas lojas que levam o seu nome: uma dedicada para roupas e calçados femininos, e outra somente de acessórios, ambas físicas e na quebrada onde nasceu e cresceu.
Em junho de 2020, ela inaugurou uma loja física, que ganhou o nome de “Letícia Freitas Moda Feminina”. Então além do atendimento online e entregas via motoboy, ela começou a atender de forma física. O sucesso foi tanto, que uma segunda loja de roupas foi aberta poucos meses depois em um Shopping Popular da região, mas por ter uma filha ainda bebe, ela não conseguiu conciliar e administrar tudo.
Grávida e desempregada, Leticia precisava de uma forma para se manter financeiramente e se preparar para a chegada de sua filha. Por isso, em novembro de 2019, ela começou a buscar roupas no Brás por encomenda e revender de porta em porta na quebrada em que mora, divulgando tudo em grupos nas redes sociais. E, quem acha que a gravidez fez Leticia parar, se enganou. Mesmo com o barrigão, ela andava por toda a região do Brás e passava noites nas filas de lojas de marcas que fazem sucesso na quebrada, como “Pimenta Doce” e “Sal e Pimenta”.
O outro lado da moeda, que é preciso refletir
Além disso, também são elas que mais enfrentam a jornada dupla, pois além da vida de empreendedora, assumem os cuidados da casa e dos filhos. Não é atoa que muitas dessas mulheres escolhem abrir seu próprio negócio na quebrada onde moram, assim ficam perto de ambas as responsabilidades, como é o caso de Michele e Leticia. Por isso, também além de valorizar o corre delas, é importante mostrar como a caminhada de uma mulher na sociedade é difícil, sendo periférica, mais ainda.
“Quando eu engravidei não tinha opção, ou eu vendia roupa ou então ficava desempregada, porque ninguém ia querer contratar uma grávida, ninguém ia me registrar ou algo do tipo. Então o que eu podia fazer no momento era vender roupa, e assim que comecei, fui no Brás grávida buscar algumas encomendas e divulgar nos grupos do Facebook”, conta Letícia.
Na mesma batida, cruzando histórias, a dona da Miih Modas também enfrentará isso. Ir ao Centro de São Paulo buscar mercadoria não é fácil, imagina fazer todo o trajeto do Capão Redondo até o Brás grávida? É isso que Michele faz praticamente toda semana. “É uma loucura final de ano, mal você se alimenta e vê sua família, pois não dá. Brás é pra quem tem coragem mesmo. Lá é bem cheio mesmo, tem que ter paciência”, conta a empreendedora.
Muita das vezes, não se para pra pensar na correria dessas minas. Tem gente que dá preço, desmerece e não compreende o quão guerreiras elas são. “Muita gente pensa que é só chegar lá no Brás e comprar mas não, é muito complicado. Tem encomendas a gente fica 3, 4 ou 5 se brincar até 10 dias na fila, só pra conseguir uma mercadoria, e quando eu não consigo ir pra dormir porque eu tenho uma neném, tem que pagar pra alguma pessoa ficar na fila e paga bem carinho, e às vezes você ainda nem consegui as mercadorias”, encerra Letícia.